São Paulo, sexta-feira, 18 de outubro de 1996
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O médico é o vilão?

PEDRO HENRIQUE SILVEIRA

Nos últimos dias, a imprensa julgou sumariamente vários médicos e os submeteu a linchamento público. Reconheço que há alguns poucos médicos cometendo erros que acabam comprometendo toda a classe.
Estão inscritos no CRM-SP -o maior conselho médico do país- 86 mil médicos, dos quais 70 mil em atividade. Em dez anos, retiramos de 22 médicos o direito de exercer a profissão e aplicamos outras penalidades não menos graves, como censura pública e suspensão temporária, a quase 500 profissionais.
Se considerarmos a quantidade de médicos no Estado e os milhares de procedimentos praticados diariamente, concluímos que o erro médico em São Paulo é diminuto e dentro dos riscos de uma ciência semi-exata. É oportuno lembrar que uma simples consulta médica encerra certo grau de risco para o médico e para o paciente.
Afastada estatisticamente a suspeita de corporativismo entre os médicos, quem é, afinal, o vilão da história? As 84 escolas de medicina do país, que oferecem 8.000 novos médicos por ano ao mercado? O presidente da República, que, ao censurar os médicos, tachando-os de inidôneos, se esquece de que vários de seus colaboradores diretos estão vivos e trabalhando graças à competência de médicos brasileiros? A TV Globo, que, numa orquestração absurda, vem pautando em cadeia nacional escândalos isolados que visam denegrir toda a nossa classe? A corrupção e a cobrança por fora que a tabela do SUS promove entre médicos e hospitais públicos à beira da falência? Os laboratórios, que vendem seus medicamentos caros à população, que não consegue se alimentar direito e, por isso mesmo, fica mais doente? Os fabricantes de máquinas e aparelhos, que forçam erroneamente os pacientes a acreditarem mais num exame frio e computadorizado do que num bom exame clínico? Os planos e seguros privados de saúde, que exploram médicos e pacientes, ganhando dinheiro com a desgraça dos dois? Os salários aviltantes praticados pelo Estado e pela iniciativa privada? Ou a impossibilidade de os médicos realizarem reciclagem e atualizações, já que a medicina é uma ciência que apresenta apenas o ponto de partida, sem nunca apresentar o ponto de chegada?
São indagações neste 18 de outubro, Dia do Médico, para reflexão da sociedade, especialmente da maioria da população, que depende do SUS e precisa compreender que o médico também é refém do modelo neoliberal do Estado mínimo, que fere de morte a Constituição, onde definido está claramente o papel social do governo.

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