São Paulo, sexta-feira, 18 de outubro de 1996 |
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A micro e macroeconomia do desemprego
JORGE MATTOSO; MARCIO POCHMANN JORGE MATTOSOMARCIO POCHMANN No Brasil, nem sempre o debate em torno de temas polêmicos flui corretamente. Durante o regime militar, a crítica, quando não proibida, era rapidamente estigmatizada como sendo coisa de opositores que não tinham mais nada que fazer. Com o retorno da democracia, intensificaram-se os debates em todo o país. No entanto, muitas vezes as críticas são mal recebidas por representantes governamentais que ainda têm a boca torta e/ou que continuam supondo haver somente uma via de mão única, a deles. Para esses idólatras do pensamento único, o debate só serviria para identificar ou mapear os que estão contra e os que estão a favor do governo. O tema do desemprego, amplamente veiculado pela Folha, mostra posturas dessa natureza. De um lado, observa-se que a existência de duas medidas do desemprego (Fundação IBGE e Dieese, em convênio com a Fundação Seade e outras fundações estaduais de pesquisa) tem sido tratada como forma de marcar posição e oposição ao governo. Não se discute com mais profundidade as questões metodológicas envolvidas ou o papel democrático desempenhado por instituições de investigação científica como o Dieese e a Fundação Seade, que, diante da comprovada manipulação de informações oficiais, souberam dar aos trabalhadores e à sociedade nova confiança em dados e índices democraticamente transparentes de preços, ocupação e desemprego no país. Pareceria difícil dar continuidade à interferência política ocorrida em outra época e ao sucateamento ocorrido nos anos 90 de pesquisas indispensáveis ao conhecimento do país, como os censos e as PNADs realizadas pela FIBGE. No entanto, agora, muitas vezes promovidos apenas por interesses menores, sejam eles políticos, regionais ou de destinação de financiamentos à pesquisa, admitem-se ações adotadas na surdina de reuniões palacianas e contrárias à continuidade da pesquisa de emprego e desemprego realizada pelo Dieese e a Fundação Seade do governo estadual paulista, reconhecidamente superior na sua metodologia, mas que aponta, para a região metropolitana de São Paulo, taxa de desemprego quase três vezes superior ao indicador oficial. Será que para combater a febre vão querer jogar fora o termômetro? De outro lado, e não sem razão, o debate em torno do desemprego, de suas causas e alternativas de combate, é menosprezado. O importante passaria a ser, assim, a isenção de responsabilidade das políticas macroeconômicas. Essas são consideradas inevitáveis (de novo o pensamento único!), porque decorrentes da globalização das economias, de um novo padrão tecnológico e de mudanças na gestão da produção e na organização do trabalho. Esquece-se, no entanto, que o compromisso das políticas macroeconômicas com o espírito deflacionário tem favorecido um desempenho econômico medíocre e elevado desemprego, definindo a continuidade da valorização financeira em detrimento da produção. A desregulação dos mercados financeiros, a abertura comercial indiscriminada, a alta taxa de juros e a sobrevalorização do câmbio confirmam a macroeconomia do desemprego. Mas não haveria problemas maiores porque, assim nos dizem, depois do inevitável e saneador ajuste, abrir-se-ia um futuro radiante de crescimento e emprego. Esquece-se também que, como mostram México e Argentina, mantidas estas políticas, a cada sacrifício sucedem-se adicionalmente novos sacrifícios. Em contrapartida, o combate ao desemprego é reduzido ao simples nível microeconômico e ao mercado de trabalho. As medidas de desregulação dos direitos sociais e trabalhistas e o enfraquecimento dos sindicatos favorecem que as empresas apostem exclusivamente em ajustes de curto prazo, voltados para sucessivos rebaixamentos das condições contratuais e de trabalho. Difundem-se, dessa maneira, ainda mais as formas precárias de relações e condições de trabalho, favorecendo a microeconomia do desemprego e do rebaixamento das condições mínimas de ocupação. Jorge Mattoso, 46, e Marcio Pochmann, 33, são professores do Instituto de Economia e pesquisadores e diretores do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Texto Anterior: A pressão e a falência dos Estados Próximo Texto: Cresce venda de empresas argentinas Índice |
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