São Paulo, sexta-feira, 18 de outubro de 1996
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A pressão e a falência dos Estados

MAILSON DA NÓBREGA

O presidente da República foi incisivo: não cederá às pressões dos Estados para solucionar, como eles querem, sua aflitiva situação financeira. Reunidos segunda-feira em São Paulo, os governadores haviam escolhido o Senado para renegociação da dívida.
A decisão dos governadores objetivaria politizar o assunto. Em outras palavras, aumentar o poder de pressionar o Ministério da Fazenda, gerar moeda de troca no projeto da reeleição e assim por diante.
Os governadores alegam prejuízos nas negociações com a Fazenda. Esta seria a justificativa para apresentar ao Legislativo os projetos de lei que, aprovados, lhes assegurem tratamento mais adequado.
Se o presidente cedesse e aceitasse o raciocínio quanto ao fórum da negociação estaria desservindo o seu governo e o país. Os Estados ganhariam o poder de desperdiçar. Depois, bastaria ir ao Senado para resolver os problemas criados por eles mesmos.
O presidente está certo. Isso não elide, todavia, a realidade da quebra dos Estados. Há quatro razões para explicar sua falência: irresponsabilidade, a Constituição de 1988, a falta de alternativas para instituir impostos e a estabilidade monetária.
Desde 1983, a irresponsabilidade tem sido a marca de certas administrações desastrosas. Estados poderosos como São Paulo naufragaram sob o populismo, o desperdício e a corrupção.
A partir de 1983, a crise do setor público, já manifesta, se ampliara com outra crise, a da dívida externa. Em vez de ajustar seus orçamentos, os governadores descobriram uma central de emissão de moeda. Usaram seus bancos para continuar gastando.
Com o tempo, esse ralo foi domado, mas suas sequelas ainda estão visíveis na dívida dos Estados e na situação de bancos estaduais. Vide o Banespa.
Em meio a tudo isso, veio a Constituição de 1988, a qual, desafiando as leis da física, descentralizou receitas em favor dos municípios e aumentou a centralização nas responsabilidades da União e dos Estados.
Tal qual a União, os Estados se inviabilizaram financeiramente. Ganharam receitas, mas também transferiram recursos para os municípios. Sua participação nos recursos disponíveis das três esferas de governo ficou estável ao redor de 27%.
Os gastos obrigatórios aumentaram com a vinculação de receitas a certas despesas (caso da educação) e as vantagens concedidas aos funcionários da ativa e aos aposentados.
Na União, o problema da folha de salários foi enfrentado com a competência tributária residual e malabarismos orçamentários: aumento de impostos para o Orçamento da Seguridade Social e inclusão neste das despesas com pensionistas e inativos (40% da folha).
Sem dispor dessa válvula, os Estados assistiram à absorção crescente de suas receitas, em alguns casos de 100% ou mais, pelos gastos de pessoal.
A inflação permitia conviver com essa situação. Uns poucos meses sem reajuste bastavam para ajustar a folha.
No início ou no fim do mandato, como em 1994 e 1995, muitos governadores concediam generosos aumentos de salários, que depois eram corroídos pela inflação. Com a estabilidade, a mágica acabou. Agora, aumento é aumento mesmo.
A crise dos Estados é o resultado de todo esse imbróglio. Em certos momentos, o drama piorou em face das taxas de juros praticadas pelo governo para enfrentar o desequilíbrio macroeconômico ou o risco de sua deterioração.
A situação se agravou recentemente com os empréstimos tomados ao sistema financeiro privado, em geral para fazer frente aos expressivos aumentos da folha.
Hoje, existem duas visões extremas sobre o assunto. A de governadores, que desejam transferir o problema para o governo federal; e a de certos analistas, para os quais se deveria deixar os Estados à sua sorte, pois somente assim se ajustariam.
O mais sensato parece ser o atual programa de ajuda aos Estados. Permite negociação caso a caso, opera em ambiente de apoio social às reformas e dispõe de amarras contra novos desarranjos financeiros.
Sua vantagem, diferentemente do passado, é a possibilidade de obrigar à venda de ativos para abater dívidas. Induz-se à privatização e à eficiência. Não aumenta necessariamente o déficit. Tem, além disso, indiscutível efeito educativo.

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