São Paulo, sexta-feira, 18 de outubro de 1996
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Barreto acerta a mão em 'Atos de Amor'

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Desde "Romance da Empregada" (1987), Bruno Barreto não acerta a mão como em "Atos de Amor" (Carried Away), de longe o mais complexo e redondo filme realizado por ele nos EUA.
Em nenhuma de suas realizações americanas anteriores ("Assassinato sob Duas Bandeiras", "Heart of Justice") percebe-se semelhante equilíbrio entre roteiro (baseado no "Farmer" de Jim Harrison), elenco e condições de produção. Em nenhuma outra também o tema lhe era tão próximo, apesar de o cenário ser o interior da América.
"Atos de Amor" é mais uma fábula sobre a guerra cotidiana entre razão e impulso, sobre o perene embate do pacto civilizatório com os instintos sexuais e de destruição. Uma das versões baianas desse conflito celebrizou Barreto há duas décadas e também tinha nobre origem literária: "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (1976).
Ninguém transa com fantasmas em "Atos de Amor", mas o triângulo amoroso de marcada tensão sexual se repete. Jack (Dennis Hopper) é um melancólico professor interiorano que mantém há séculos um romance morno com uma amiga de infância (Amy Irving, atual sra. Barreto). Lolita reencarna numa nova aluna, Catherine (Amy Locane), e explode a monotonia. A paz vai junto.
Barreto deixa a dolorosa evolução do dilema de Jack, composta de maneira estupenda por um Hopper contra todos seus tipos anteriores, ditar o ritmo do filme. Mesmo as cenas de sexo entre ele e Catherine surgem antes como sacrifício do que como feliz transgressão. O gozo anárquico de Vadinho e Dona Flor parece coisa de outro planeta.
Uma sequência é antológica. Jack desafia sua amada de plantão a oferecer-se nua à luz e a seus olhos. Ele mesmo abre o caminho, despindo-se desajeitadamente. Ela o segue, com Irving nesse simples gesto como que se despedindo do manto de estrela de Hollywood para adentrar o hall das grandes atrizes do cinema.
"Atos de Amor" tem sido cobrado exatamente pelo seu ponto forte: harmonia. Acusam Barreto de ter realizado um filme formalmente careta. Nada mais fácil que malabarismos de linguagem. A força do desequilíbrio marca tanto a construção de cada personagem que o desafio é exatamente manter "Atos de Amor" nos eixos.
É da energia represada entre a narrativa compassada e as torturas individuais que o filme cresce e cresce. Barreto volta a sua melhor forma. Já não era sem tempo.

Filme: Atos de Amor
Direção: Bruno Barreto
Com: Amy Irving, Dennis Hopper
Quando: a partir de hoje nos cines Gemini 2 e Metro 1 e Cinearte 1

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