São Paulo, sexta-feira, 18 de outubro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Mundo musical é como auto-estrada"

DA REPORTAGEM LOCAL

Leia a continuação da entrevista de Pierre Boulez à Folha:
*
Folha - Olivier Messiaen foi uma espécie de "maŒtre-á-penser". O sr. exerceria hoje o mesmo papel?
Boulez - Messiaen foi um grande pedagogo. De minha geração, o único verdadeiro pedagogo foi talvez Gyorgy Ligeti, quando lecionou em Hamburgo. Berio, Stockhausen e eu próprio não nos preocupamos particularmente em lecionar. Não chegamos, então, a "provocar" nossos alunos, embora tenhamos inspirado indiretamente outros compositores.
Folha - O sr. mencionou Karlheinz Stockhausen. Ele disse, no início dos anos 50, que em três décadas só se ouviria música contemporânea. Uma sinfonia de Beethoven viraria peça de museu...
Boulez - ...Teria sido uma visão extremamente utópica. Digamos, para simplificar, que o mundo musical é como uma auto-estrada. Você pode consertá-la, pode prolongá-la, mas não se pode jamais deter o fluxo de veículos.
Folha - Como interpretar o conservadorismo predominante entre os jovens compositores, que são com maior frequência neo-Prokofiefs e não neo-Schoenbergs?
Boulez - Há músicas facilmente imitáveis e que entram rapidamente no circuito do consumo. Mas as obras que verdadeiramente marcam uma época são aquelas difíceis de imitar.
Folha - O mercado discográfico não jogaria suas fichas de um só lado? É mais fácil encontrar música russa de balé do século 19 que uma sinfonia de Bruckner.
Boulez - O mesmo ocorre na literatura. Os romances policiais continuarão a ser mais lidos que os poemas de Rimbaud.
Folha - Será que o fato de as orquestras norte-americanas estarem agora perdendo todos os seu subsídios públicos não tende a empurrar a música sinfônica na direção de uma maior estereotipia?
Boulez - Em verdade, os subsídios sempre representaram uma parcela muito pequena do orçamento dessas orquestras. O que sempre conta são as doações feitas em troca de descontos nos impostos. Na França não existe essa forma de incentivo fiscal.
Folha - O Ensemble Intercontemporain poderia nascer e sobreviver num país como os Estados Unidos?
Boulez - Certamente que não. O Ensemble é um dos exemplos de casos em que a subvenção oficial é necessária. Mas não é, mesmo assim, um modelo ideal. Se o único atributo de um diretor de ópera é ser amigo do presidente, como já ocorreu na França, seu mandato será com certeza catastrófico.
Folha - E se hoje o convidassem para dirigir a Ópera da Bastilha?
Boulez - Eu não aceitaria. Por volta de 1967 fiz parte de um grupo que elaborou um plano para a renovação da Ópera. Mas é um momento de minha existência bem superado.
Folha - Está em seus planos composição de algum trabalho para o teatro lírico?
Boulez - Tinha alguns projetos que agora não se concretizariam, porque meus possíveis parceiros foram aos poucos morrendo. Tive uma idéia de parceria com Jean Genet, outra com Heiner Mueller.
Folha - E em termos de regência de uma montagem lírica?
Boulez - Por enquanto, nada do gênero em vista. Minha última experiência foi um "Moisés e Aaron" (de Arnold Schoenberg), no ano passado, na Holanda. É muito trabalhoso e consome muito, mas muito tempo.

Concertos: Ensemble Intercontemporain; Direção: Pierre Boulez e David Robertson
Quando: de segunda a quarta-feira próximas
Onde: teatro Cultura Artística (r. Nestor Pestana, 196, tel. 011/256-0223)
Quanto: de R$ 50 a R$ 100 (estudantes R$ 5, até meia hora antes de cada concerto)

Texto Anterior: Artistas da Mostra falam na Internet
Próximo Texto: Maestro tem rigor matemático
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.