São Paulo, sábado, 19 de outubro de 1996
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Nelson Rodrigues volta como o 'Remador'

PAULO VIEIRA
EDITOR-ADJUNTO DA ILUSTRADA

Após recolocar Nelson Rodrigues em circulação com a biografia "O Anjo Pornográfico", o jornalista Ruy Castro deu-se ao trabalho de compilar a obra não-teatral do autor. O 11º e penúltimo livro dessa tarefa chega agora às lojas.
A antologia "O Remador de Ben-Hur" reúne mais de 70 "confissões" escritas entre 57 e 79 e publicadas em sua maioria no jornal "O Globo".
Se há algo que os cronistas dos jornais diários de hoje não conseguem e que Rodrigues fazia melifluamente, era a capacidade de juntar idéias e personagens tão díspares em textos de quinze parágrafos.
Numa das crônicas, Oduvaldo Viana Filho, o Vianinha, a quem cita com frequência, é tratado por longos períodos, até o autor decidir: "Deixemos, porém, o Vianinha e sua linda, sua resplandecente derrota. Eu queria falar, neste momento, de outro derrotado: Garrincha". Nem sempre, contudo, há um mote a uní-los.
Se é estilo, não há como não lamentar nas páginas de hoje a ausência de aforismos magistrais como o da "pior forma de solidão é a companhia do paulista".
Muito mais do que fazer exercícios estéreis, Rodrigues em 'O Remador', faz comentários sobre a vida cultural brasileira, especialmente dos anos 60.
O teatro é uma de suas áreas de interesse. Demonstra indulgência com José Celso Martinez Correa. "Ele consegue ser o autor, o diretor, o elenco, o cenário, o contra-regra das peças que dirige."
Um encontro com um ator a quem considera o "maior do Brasil" em meio à degustação de um "bife salubérrimo" acaba em funda decepção -o ator, que antes em nada pensava senão atuar, agora fala em subdesenvolvimento e prega um teatro político.
Rodrigues dá claras demonstrações de seu tão explorado reacionarismo político. Não se furta a endereçar uma crônica de 79 ao então presidente João Figueiredo, pedindo anistia a seu filho Nelson (leia trecho).
Quase isolado em sua trincheira, atira contra os intelectuais de esquerda: "Nem desconfiam que estão chorando o defunto errado. Não se lembram do Brasil. Somos um terreno baldio, que não povoamos; há populações brasileiras apodrecendo de fome. E nós chorando pelo Vietnã".
Mesmo a quem é simpático, como Chico Buarque, não é poupado. "O Chico que daqui partiu não é o mesmo que de lá voltou. Certos brasileiros não podem viajar. Se olham para o Pão de Açúcar, perguntam: - 'O que é aquilo?'"

Livro: O Remador de "Ben-Hur"
Lançamento: Companhia das Letras
Preço: R$ 24 (296 págs.)

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