São Paulo, domingo, 20 de outubro de 1996
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Mutilado fica vaidoso e vira 'workaholic'

FÁBIO GUIBU
DA AGÊNCIA FOLHA, EM RECIFE

Pesquisa feita pelo Hospital de Câncer de Pernambuco revela que os homens mutilados pelo câncer de pênis tornam-se, em sua maioria, "workaholics" -viciados em trabalho- e mais cuidadosos em relação à aparência física.
Segundo a psicóloga do hospital Ana Lúcia de Carvalho, essas alterações de comportamento são uma forma de compensação pela perda de uma parte do corpo "que tem significado psicológico muito maior do que um braço, por exemplo".
O levantamento mostra ainda que os pacientes operados se ligam mais à família e que, "em 99% dos casos", a mulher aceita a situação e se torna "mais compreensiva e companheira".
A faixa etária do casal contribui para isso, afirma Ana Lúcia de Carvalho. Normalmente, marido e mulher têm mais de 50 anos, idade em que o sexo não é considerado essencial para a manutenção de um relacionamento afetivo.
A possibilidade de manter relações sexuais após a cirurgia, contudo, é sempre questionada pelos doentes.
Mas a maioria -constatou a psicóloga- preocupa-se mais com uma eventual perda da masculinidade.
"Eles querem saber se, depois de operados, vão continuar sendo homens", disse.
Segundo o diretor do hospital, médico Joaquim Branco, as relações sexuais são possíveis em casos de amputação de até 60% do pênis.
A pesquisa sobre o comportamento dos portadores de câncer de pênis em Pernambuco foi feita a partir do acompanhamento dos pacientes nos últimos oito anos.
Nenhum suicídio
O trabalho psicológico, disse Ana Lúcia de Carvalho, começa assim que o doente é hospitalizado. "Inicialmente acompanhamos as fantasias, o que eles imaginam e seus questionamentos sobre a doença", afirmou.
"Uns se preocupam com a reação dos amigos, outros com o sexo ou com a família", diz.
Segundo ela, "não há uma receita única" para o tratamento, que dura em média oito dias.
Casos de depressão são comuns, e o desejo da morte, afirmou a psicóloga, aparece em alguns pacientes, "principalmente nos dias que antecedem a operação".
Nos últimos 20 anos, porém, o hospital não registrou nenhum caso de suicídio entre homens que tiveram o pênis amputado por causa da doença.
Palavra maldita
Outro problema enfrentado por médicos e pacientes é o temor que a palavra "câncer" ainda desperta no Nordeste, particularmente entre as pessoas do interior do Estado, de onde vem a maioria dos doentes.
A palavra é tida como "maldita" e não é pronunciada nem sequer pelos médicos ao comunicar o diagnóstico aos pacientes.
"Dizemos que ele tem uma infecção grave, para evitar um choque ainda maior", afirma o diretor do hospital.
Segundo a psicóloga, um dos indicativos de que o paciente está superando a crise é quando ele passa a mencionar o nome da doença.
"No fundo, eles sempre sabem o tipo de problema que têm, mas evitam falar."

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