São Paulo, domingo, 20 de outubro de 1996
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Pugilista provocava os rivais antes de combates

WILSON BALDINI JR.
COLUNISTA DA FOLHA

Quando Muhammad Ali abandonou o boxe em 1981, aos 39 anos, disse: "O boxe daqui para frente, sem mim, perdeu sua alegria. Tudo será muito triste". Foi uma profecia. O boxe moderno, iniciado em 1892, pode ser dividido em dois períodos: antes e depois de Ali.
Com uma personalidade digna das maiores figuras de todos os tempos, Ali assombrou o mundo ao atirar no rio a medalha de ouro conquistada na Olimpíada/1960, ferido com a discriminação racial em seu país. E ele só tinha 18 anos.
Foi para o boxe profissional e inovou ao fazer das entrevistas coletivas grandes comédias.
Gritava e gesticulava ameaçando seus adversários, parecendo menosprezá-los. Sonny Liston, diz a história, teria "medrado" diante de Ali nos combates de 64 e 65. "Ele é completamente louco."
Já o seu maior adversário, Joe Frazier, guarda mágoas. Em sua biografia lançada recentemente, Frazier fala que não faz questão de ver ou falar com Ali, devido ao que ele dizia nas entrevistas.
Ignorância, falta de humor, diferença de personalidade, não interessa. O certo é que tudo era feito para tornar aquela atividade esportiva mais interessante.
Em 6 de fevereiro de 1967, indignado com o seu adversário Ernie Terrell, que se recusava a chamá-lo pelo nome islâmico (seu nome de nascimento é Cassius Marcellus Clay Jr.) bateu durante 15 roundes. A cada golpe desferido ele dizia: "What's my name? What's my name?" (Qual é meu nome?).
Cassado
Ainda como campeão mundial e convertido ao islamismo negou-se a servir ao exército norte-americano na Guerra do Vietnã.
Teve seu título cassado, foi preso e proibido de lutar por três anos. Aproveitou para combater o racismo e expandir a sua religião pelo mundo, acompanhando líderes como Martin Luther King.
Em pesquisa no final da década de 60, seu rosto era um dos mais conhecidos ao lado do papa, da rainha da Inglaterra e de Pelé.
Retornou ao boxe em 1970, época de George Foreman, Ken Norton e Joe Frazier.
Ali gostava de lutar na casa do adversário para ouvir o "silêncio" na hora da vitória.
Fez três combates memoráveis com Frazier, o primeiro intitulado de "A Luta do Século". E foi mesmo, com vitória de Frazier.
Contra Norton repetiu a dose. Na primeira, quando foi derrotado, chegou a lutar dez roundes com o queixo quebrado. Até hoje foi o único pesado a ganhar por três vezes o cinturão mundial.
Logo após abandonar o boxe revelou ser portador do mal de Parkinson. É comum ver Ali arriscando alguns passos do balé que o consagrou. Ele mantém o costume de pintar os cabelos.
Herança da vaidade que nunca se acaba. Ainda bem. Atualmente ele passa três quartos de seu tempo em viagens. Sua comitiva, antes com mais de 50 pessoas, hoje se resume a um amigo fiel e a mulher.
Fortuna
Os quase 60 milhões de dólares ganhos durante a carreira foram divididos em partes iguais: Ali, o governo dos EUA e os empresários que cuidaram de sua carreira.
Mas o dinheiro não prece ser problema. A sua maior preocupação continua sendo o ser humano. Independentemente de seu credo, raça ou condição social.
Quem seria atendido ao pedir ao então presidente dos EUA, Jimmy Carter, para que diminuísse as armas nucleares? Ou seria recebido pelo ditador Saddam Hussein, durante a Guerra do Golfo, e conseguisse a liberação de mais de 50 presos norte-americanos?
Com certeza o boxe de hoje não possui a alegria de Ali. A abelha não pica mais como antes. Mas a borboleta continua voando. Para a alegria do mundo.

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