São Paulo, domingo, 20 de outubro de 1996 |
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No regresso, Ali encontra só afeição Jon Saraceno JON SARACENO
Quando Muhammad Ali acendeu a pira olímpica no último verão (dia 19 de julho passado, em Atlanta, EUA), percebeu a adoração latente do mundo por ele, resultando num vasto foco de nova popularidade. O acender da chama olímpica fez renascer o "maior de todos", um dos heróis do esporte mais mágico e adorado do planeta, e um homem cujos esforços humanitários estão sendo impulsionados por algo como um Prêmio Nobel da Paz. Desde a Olimpíada, o ex-tricampeão mundial dos pesados, hoje aos 54 anos, é encarado menos como uma vítima do boxe e do mal de Parkinson, mas como inspiração para milhões de deficientes. Depois de anos de afastamento por seu distúrbio neurológico, Ali reapareceu. Ele não apenas acendeu uma chama, ele iluminou o caminho para os outros -e, talvez, para si mesmo. Choro "Tenho 35 anos e há anos não chorava. Quando você acendeu a chama olímpica, eu chorei", disse o oficial David Peterson, da California Highway Patrol, numa mensagem de e-mail. Mais tarde, uma mulher ligou para o escritório de Ali e chorou ao contar como seu marido, tomado pelo mal de Parkinson, deixara de sair de casa havia anos -até que viu Ali na TV. No dia seguinte, o homem parava os passantes na rua e orgulhosamente os informava: "Eu tenho a mesma doença que Muhammad Ali". Como é irônico que o homem, antes definido por seu porte atlético e oratória, hoje agite paixões sem ambos. Primeiro, Ali acreditou erroneamente que as pessoas choravam de pena dele. "Queria saber por que as pessoas choraram quando eu acendi a pira", disse Ali ao "USA Today", numa rara entrevista em sua fazenda em Michigan (meio-oeste dos EUA). "Alguns (deficientes) desistiram -eles não se importam. É uma vergonha. Mas, quando me viram na TV, de pé perante o mundo inteiro, alguns disseram: 'Se ele pode fazê-lo, por que não eu?"' A olímpica missão secreta de Ali surpreendeu uma audiência de três bilhões de pessoas quando ele criou, tremendo e tudo, coragem para segurar a tocha. Em algo que mais pareceu uma eternidade, Ali permaneceu tocando a pira enquanto as chamas pareciam se mover para trás, em direção a seu braço esticado. "Fiquei encostando na pira... o mundo inteiro assistindo... e a maldita coisa não acendia", disse. Num átimo, ela pegou fogo. Assim como Ali. Outra vez. Recentemente, a "Sports Illustrated" (revista esportiva dos EUA) retratou o medalhista olímpico de 1960 pela 34ª vez, ao lado do rival Joe Frazier. Um novo filme baseado em sua vida, acertado por Ali com a Columbia Pictures, será rodado. "Acho que as pessoas estão redescobrindo Muhammad", afirmou Lonnie, sua mulher. Apesar de alguma cautela, uma vez que a chama se acendeu, ela parece mais quente que nunca. Êxito Os planos apontam para um negócio com cartões telefônicos e uma página na Web patrocinada por uma grande companhia. O apelo comercial de Ali durante a Olimpíada, na faixa dos 12 aos 18 anos, só foi superado pelo de Michael Jordan (astro da NBA). Seus suvenires, desde um punho de porcelana até um desenho animado que fez com a Warner Bros., continuam vendendo bem. Ali exige uma taxa mínima por aparição de US$ 100 mil por dia e de US$ 225 mil fora do país. "Antes dos Jogos, pressenti que o acender da pira renderia de US$ 5 milhões a US$ 10 milhões nos próximos três anos", afirmou Harlan Warner, empresário de Ali. "É como a abertura da China (ao capitalismo)." Warner planeja fazer uma proposta a uma companhia de cartões de crédito usando o seguinte slogan: "Meu rosto ainda é belo, nem mais, nem menos. Mas em vez de usar meu gancho de esquerda, uso o American Express." Apoio O guardião do reino financeiro em expansão de Ali é seu melhor amigo, assim como sua mulher. Lonnie, então com 6 anos, e Cassius Clay, com 20, viveram na mesma vizinhança em Louisville. Eles se casaram dez anos depois, logo que Ali se divorciou de Veronica, sua terceira mulher. "Ela é quem manda", diz Ali. Por volta de 1986, o divórcio de Ali e outros investimentos haviam-no deixado em má situação financeira. Lonnie, que completou seus estudos na Vanderbilt University e, depois, na UCLA, com formação em marketing, organizou as economias de Ali. A GOAT (Greatest Of All Times -o maior de todos os tempos), entidade de Ali, gera receita de US$ 1 milhão por ano. Mais importante para Ali que o mero conforto é a percepção pública sobre ele. Por anos, ele esteve assustado com o que o mal de Parkinson poderia provocar -tremores, uma expressão de máscara, um andar vacilante. E, o mais traumático para ele, ter a voz calada, que o mundo não mais ouviria. Às vezes, a voz é forte; em outras, mal se pode escutá-la. Ali temia a rejeição. Sua recente aparição na NBC (TV norte-americana) foi a primeira em vários anos. "A tocha lhe deu coragem e mais autoconfiança para encarar a câmera e o público", disse Lonnie. Texto Anterior: Torneio deve ter piso artificial Próximo Texto: Pugilista provocava os rivais antes de combates Índice |
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