São Paulo, domingo, 20 de outubro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Financiamento imobiliário e demagogia

FÁBIO NOGUEIRA

A casa própria é o maior sonho de consumo que alimentamos. Por isso, a tendência de termos uma abordagem demagógica sobre o tema é um risco e uma tentação que devem ser evitados.
Prova disso é a lição que tivemos com o SFH (Sistema Financeiro da Habitação): entre 1964 e 1983, ele funcionou muito bem. Em 83, com o desequilíbrio gerado pela prefixação da economia, a demagogia imperou: criou-se um benefício absurdo, anulando o efeito da correção monetária sobre contratos e iniciando descasamentos que causaram o conhecido "rombo do FCVS (Fundo de Compensação das Variações Salariais)".
A demagogia acabou gerando um rombo potencial de R$ 50 bilhões, que fatalmente será pago por toda a sociedade. O Brasil foi praticamente o único país do mundo em que os bancos não puderam oferecer, por mais de dez anos, financiamentos para novos pretendentes. Por isso, temos um déficit habitacional estimado entre 5 e 12 milhões de moradias.
Conclusão: sempre que se intervém num mercado visando criar um benefício, alguém paga por ele (normalmente quem nem sequer foi consultado), e o efeito pode ser inverso ao pretendido. Junte-se a isso o fato de que se fala muito em casa própria e não em moradia. Jogo de palavras? Não: moradia pode ser alugada, "comodatada", e não necessariamente comprada.
Ao se reconhecer isso, e dividir o mercado residencial em dois segmentos, começaremos a ter uma solução para o problema. A população de baixa renda, por exemplo, poderia contar com benefícios previstos em orçamento ou por meio de incentivos fiscais oferecidos a fundações e empresas para a construção de conjuntos habitacionais, que seriam alugados a preços subsidiados enquanto o interessado não apresentar condições de entrar no mercado normal de locação ou de financiamento.
Os demais segmentos teriam um sistema totalmente livre, regulado pelo mercado em termos de reajuste, prazo e taxa de juros. A competição entre os bancos tornaria preços e condições mais acessíveis.
Sonho? Não, realidade em países do hemisfério norte e mesmo aqui ao lado, na Argentina e no Chile.
Por isso são preocupantes as tentativas de interferência nos contratos de financiamento vigentes, contestando indexadores pactuados entre as partes e instituídos pela autoridade monetária.
No dia em que nos conscientizarmos dessas armadilhas casuísticas, solucionaremos o problema da casa própria e teremos a reativação da indústria imobiliária, gerando milhões de empregos.
Vivemos hoje um momento de transição. Desde 88, o governo permitiu que o mercado se auto-regulasse e, agora, começa a solucionar o rombo do FCVS.
Os bancos retomaram seu papel de financiador. Surgiram novas modalidades de financiamento, como o leasing imobiliário, o Home Equity (empréstimo com garantia hipotecária) e o financiamento com variação cambial.
O mercado começa a se conscientizar da necessidade de financiar o imóvel usado, pois a garantia de liquidez desse setor atrairá investidores e garantirá a produção de novas unidades.

Texto Anterior: Aluguel comercial sobe em SP
Próximo Texto: CARTAS
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.