São Paulo, domingo, 20 de outubro de 1996
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Direitos ou abusos adquiridos?

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Ao ler as medidas do governo federal para conter gastos públicos, fiquei surpreso ao ver proibições de concessões que jamais sonhei existirem. Dentre elas estão o "abono assiduidade", as férias superiores a 30 dias, as licenças-prêmio e os empréstimos a juros subsidiados.
Pelo jeito, as entidades atingidas estavam premiando mais o ócio do que o trabalho. Assiduidade é o que se espera de pessoas contratadas para trabalhar. Não há porque premiar o seu comparecimento ao serviço.
O mesmo acontece com as férias. A Constituição Federal fixou-as em 30 dias -mais 10 dias pagos em dinheiro desde o primeiro ano. Na maioria dos países, as férias são negociadas e proporcionais ao tempo de serviço: quanto mais anos de casa, mais dias de férias. O que justificava, então, férias superiores a 30 dias para funcionários de estatais?
Quanto às licenças-prêmio, sempre tive dificuldade de entender essa prerrogativa. Se os trabalhadores do setor privado descansam 30 dias por ano, por que os do setor público e das empresas estatais precisavam descansar mais três meses a cada cinco anos?
O que dizer, então, dos empréstimos? Como explicar que o consumidor comum pague 4% de juros ao mês -e até mais- enquanto os funcionários das estatais recebem empréstimos com taxas negativas? Estaria sobrando o dinheiro público?
Essas proibições têm um caráter saneador ao estabelecer que, nas próximas negociações trabalhistas, os dirigentes das empresas terão de se limitar aos tetos fixados pelas medidas aprovadas -respondendo pelos seus atos perante os conselhos de administração, fiscal, de controle das estatais e o ministro da pasta correspondente.
As referidas medidas acabaram também com as aposentadorias privilegiadas (juiz classista, jornalista etc.) e restringiram as licenças de dirigentes sindicais.
Os dois fenômenos eram extravagantes. O primeiro porque classificava os cidadãos brasileiros em de primeira e de segunda classe. O outro porque dava a dezenas de sindicalistas -e seus suplentes- o privilégio de ficar à disposição das entidades sindicais, anos a fio, pagos com o dinheiro do povo.
Perguntei-me o que levou o governo a demorar tanto para pôr fim a tais regalias. Tudo isso poderia estar em vigor há muito tempo. Mas..., antes tarde do que nunca.
Mais importante do que os seus efeitos econômicos, as decisões tomadas têm um salutar impacto moralizador. A redução dos interesses corporativos elevará a eficiência e a eficácia dos órgãos públicos. Isso acabará valorizando os funcionários dedicados, produtivos e competentes. Eles são os primeiros a reconhecer não haver mais argumentos para se sustentar abusos.

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