São Paulo, domingo, 20 de outubro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O Brasil e o mundo no século 21

LUIZ FELIPE LAMPREIA

Um horizonte de 20 a 25 anos é o razoável para uma reflexão sobre o futuro da inserção do Brasil no mundo. Esse período, que, nas relações internacionais, à falta de melhor nome, poderíamos chamar de "consolidação da globalização", poderá assistir ao amadurecimento do Brasil como potência média, economicamente forte e socialmente mais sólida e coesa, com intensa presença regional e considerável intercâmbio com outras regiões, embora sem poderio estratégico e capacidade de influência global. Ou poderá assistir à sua estagnação como país de desigualdades sociais e regionais, que alterna ciclos curtos de desenvolvimento e espasmos de recessão e que se paralisa diante do esfacelamento progressivo da base social, com sérios riscos para a sua integridade e soberania.
O Brasil tem potencial para dar um salto qualitativo no seu desenvolvimento interno e na sua inserção internacional. Para isso, teremos de responder a dois imperativos: a consolidação da cidadania, base fundamental da soberania no mundo moderno e fonte de legitimidade e poder do Estado; e o aproveitamento da inexorabilidade da nossa inserção internacional para dela extrair o máximo de benefícios concretos -em geração de riqueza, empregos e desenvolvimento econômico e social- ao menor custo possível.
Essas são as realidades em que o Estado brasileiro deve mover-se: a crescente preeminência do cidadão/eleitor/consumidor, como objetivo das políticas; e a crescente globalização da economia -um termo que se tornou lugar-comum, mas que é efetivo para descrever uma realidade objetiva (não se confundindo, portanto, com um movimento ou uma ideologia contra a qual é possível insurgir-se). A ênfase no cidadão/consumidor e a continuada melhoria da inserção internacional do Brasil dependerão da continuidade das políticas de estabilização, abertura econômica, reformas, desestatização, retomada do crescimento e reforma social- ou seja, da consolidação do Plano Real.
Meus interlocutores no exterior têm sido enfáticos ao louvar os progressos que temos feito e seu impacto positivo nas relações do Brasil com os principais parceiros e ao esperar que as tendências responsáveis por essa alteração qualitativa da inserção externa do Brasil se sustentem e ultrapassem os limites temporais de um mandato presidencial. A mera ameaça de retorno a políticas condenadas -crescimento à base de inflação, populismo, arroubos ideológicos, discriminação dos investimentos produtivos estrangeiros, controle estatal de setores da economia, protecionismo, práticas corporativistas, excessos de regulamentação e tantas outras- seria suficiente para queimar os ganhos como os obtidos na atração de investimentos produtivos.
Da mesma forma, será preciso intensificar as políticas de melhoria dos nossos indicadores sociais. O Plano Real e a perspectiva de uma inflação de um dígito já neste ano têm tido um efeito social sustentado, expresso na melhoria do padrão alimentar e de consumo da população de mais baixa renda. A partir daí será possível ampliar a conquista social da estabilidade monetária para as áreas da educação, da saúde e da habitação.
O consumidor brasileiro já assumiu como conquista a abertura econômica e o choque de competitividade por ela gerado na produção nacional. A definição da política industrial e comercial deverá levar isso em conta, porque qualquer retorno a esquemas de proteção indiscriminada e incondicional prejudica o consumidor e afeta adversamente a perspectiva dos consumidores de baixa renda de ter acesso a bens de consumo, duráveis ou não. O impacto político -e social- dessa preocupação é decisivo e veio para ficar.
Outro elemento básico para a inserção externa do Brasil nestes próximos anos é a definição de uma política de defesa nacional, em elaboração na Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Conselho de Governo, que harmonize e maximize a ação das três forças e engaje a sociedade por meio da consciência sobre o imperativo de proteger adequadamente o nosso território, o nosso patrimônio ambiental e os nossos valores e identidades culturais e nacionais. Trata-se de estender sistematicamente a presença do Estado a todo o território, promovendo a inclusão das populações hoje de alguma forma menos ligadas ao resto da nação.
A diplomacia do presidente Fernando Henrique, que vem promovendo o relançamento das nossas principais parcerias e a exploração de novas parcerias onde elas se apresentam -na África, na Ásia, no Oriente Médio-, deixará o patrimônio de uma política externa verdadeiramente universal, com uma base concreta de natureza econômica e comercial. Esse patrimônio será enriquecido pela consolidação vertical do Mercosul, ou seja, seu aprofundamento mais além da área de livre comércio com união aduaneira e tarifa externa comum, e sua ampliação horizontal, com a incorporação de novos membros plenos e a associação de parceiros por meio de acordos, deverá ser uma das linhas mestras da política externa brasileira nestes próximos anos. Deverá também beneficiar-se do fortalecimento do multilateralismo econômico e comercial, cujas regras, mais universais e transparentes para regular as múltiplas esferas do relacionamento econômico internacional, devem ajudar-nos a lidar com o persistente protecionismo, práticas desleais de comércio e barreiras ao acesso a tecnologias.
Nesses próximos anos, será muito importante que o Brasil sinalize claramente, pelo seu crescimento, que é de fato a pátria dos brasileiros em todo o mundo. Se soubermos sustentar e ampliar as tendências atuais, essa etapa que estamos começando nos consolidará como potência média, estável politicamente, saudável economicamente e socialmente justa -algo que multiplicará o orgulho que começamos a sentir hoje, quando nos vemos no espelho do mundo e nos preparamos para enfrentar o início do próximo século.

Texto Anterior: UM PÉ LÁ E OUTRO CÁ; IMORTAL
Próximo Texto: O pior já passou
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.