São Paulo, domingo, 20 de outubro de 1996
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O pop que veio do frio

A cantora Marina Lima faz entrevista exclusiva com a islandesa Bjork, fã Milton Nascimento e Elis Regina
Muito já se disse (ou se inventou) sobre Bjork, 31. A imprensa inglesa é mestre em contar lendas sobre essa islandesa que estourou nos anos 80 com a banda pop Sugarcubes e, nos 90, partiu para ritmos étnicos e música dance, em uma carreira solo que já tem dois discos lançados, "Début" (93) e "Post" (95), e o terceiro a caminho.
Dizia-se, por exemplo, que Bjork morava em uma comunidade anarquista na Islândia, passeava por Reikjavik com seu bebê em um carrinho de supermercado, e que ela não conseguia responder a nenhuma pergunta nas entrevistas de uma maneira sensata, mas apenas com devaneios incompreensíveis.
Em sua passagem pelo Free Jazz, Bjork provou que, como em 90% dos casos, tudo é exagero da imprensa britânica.
Descontando-se pequenas excentricidades, como andar de robe pelo lobby do hotel, Bjork mostrou que sabe dar uma entrevista como qualquer pop star bem-comportado.
A cantora Marina, a convite da Revista da Folha, entrevistou Bjork, que deu suas opiniões sobre música, outras cantoras e seu país. Leia abaixo trechos da entrevista.

Surgiram algumas mulheres bastante ímpares, com trabalhos fortes e autorais, vindas de países novos no cenário musical. Gostaria de saber a sua opinião sobre duas canadenses, k.d. lang e Alanis Morissette.
Eu gosto muito da k.d. lang, eu acho que ela é muito honesta. Quanto a Alanis Morissette, eu sinto pena dela, porque ela ainda está tocando rock. Para mim, tocar rock atualmente é como contar uma piada pela segunda vez. Ou seja, já perdeu a graça. Eu já fiz esse tipo de música, mas, para mim, era o ritmo dos meus pais, o "establishment". Eu precisava abandonar isso.
Você gosta de morar em Londres? De alguma forma, aquela ilha se parece com a sua? Você pensa em se mudar para os EUA?
Para ser sincera, eu prefiro Nova York a Londres. Mas eu acho que é uma loucura tentar criar uma criança lá.
Eu me afeiçoei muito a Londres e às pessoas do lugar. Eu fiquei 27 anos fazendo minha música na Islândia e as pessoas não me levavam a sério. Em Londres, em um ano, eles entenderam o meu trabalho, a minha mensagem. Apesar de ter toda aquela coisa de eles me tratarem como um ser exótico e diferente, eles respeitam minha música.
Mas eu só saí do meu país porque tinha que fazer meu trabalho. Quando eu termino, eu penso, tudo bem, mas onde está o mar, onde estão as montanhas?
Aqui no Brasil, alguns artistas têm uma espécie de fobia de instrumentos computadorizados, como teclados, por exemplo. Eles acham que esses instrumentos esfriam ou pasteurizam a música, tirando uma pureza ou um calor que, segundo eles, só os instrumentos acústicos podem dar. O que você acha disso?
Eu acho que o computador é um instrumento, assim como uma guitarra ou um violino. A música não vai perder sua alma porque você vai usar um computador ou seja lá o que for. Mas, se você ficar preguiçoso por causa do computador, então ele será um problema.
Como é o cenário musical no seu país? Existem outras pessoas fazendo um som com uma concepção parecida com a sua?
A cena musical na Islândia não existe. Quer dizer, há aquela música pop, mas é pura imitação da música americana.
Não existe música islandesa ou nada remotamente parecido com o que possa ser uma música islandesa. Desde o século 13 nós fomos colonizados e nossa independência foi obtida muito tarde. Enquanto éramos colônia, a taxação de impostos era muito alta, e não sobrava dinheiro para fazer nada. A única manifestação artística que existe com força na Islândia é a literatura. As pessoas não tinham dinheiro para música ou pintura, elas apenas conversavam e escreviam.
Na Islândia, se você, quando é jovem, quer ser rebelde e mudar o mundo, você não monta uma banda de rock, simplesmente escreve um poema.
"Possibly Maybe", "Army of Me" e "Bedtime Story" são músicas com idéias absolutamente originais. Como lhe ocorrem esses assuntos? São coisas que lhe vêm naturalmente, no seu dia a dia, ou são assuntos premeditados, concebidos para obrigar as pessoas a pensar?
Minha música não é uma coisa planejada sob nenhum aspecto. As coisas vão acontecendo no meu dia-a-dia, na minha vida, e eu vou transformando essas coisas em música, mas sem perceber, de repente.
Como você escolhe seus parceiros musicais?
Não há uma regra. Pegue os seus amigos, por exemplo. Como você os conheceu? Aposto que cada um foi de um jeito, em uma situação totalmente diferente. É como os meus parceiros.
Quais artistas ou bandas você admira?
Quando eu ouvi Milton Nascimento pela primeira vez, com a música "Travessia", fiquei totalmente viciada, como se estivesse me drogando.

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