São Paulo, segunda-feira, 21 de outubro de 1996
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Iraniano programa espontaneidade

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

É incontornável a sensação de "déjà vu" causada por "Uma História Real", do iraniano Abolfazl Jalili, que competiu em Veneza 96. O ponto de partida é similar ao de "Salve o Cinema" (1995), de Mohsen Makhmalbaf: documenta-se a busca pelo cineasta do intérprete amador para o papel principal de seu próximo filme.
Makhmalbaf construiu sua versão como uma sinfonia, recorrendo a inúmeros candidatos. Jalili apostou no solo de um único pretendente. É incrível como projetos originalmente semelhantes podem se tornar tão distintos.
"Salve o Cinema" denuncia as fronteiras tênues entre ficção e documentário, problematizando o próprio estatuto da espontaneidade que apresentara como pressuposto. "Uma História Real" nisso é muito mais ingênuo: fixa-se no drama médico do candidato a ator e acompanha seu desenvolvimento passo a passo. O mais longe que vai é no registro do impacto excepcional que a própria filmagem tem no destino do protagonista.
Makhmalbaf põe em dúvida as relações do cinema com o real, enquanto Jalili as dá como definidas. Tanto é assim que "Uma História Real" recusa a elipse por meio da montagem, como se os tempos mortos sensibilizassem o negativo com uma dose extra de "realidade". Ledo engano, agravado pelo esticamento do filme a quase duas horas e meia, com comprometimento de ritmo e contundência.
Talvez o que mais incomode é a sensação de se ver um exercício de espontaneidade programada, do que soube passar longe "Salve o Cinema". É como se "Uma História Real" tivesse por intenção (e não consequência) a inclusão no gênero de metacinema neo-realista, destaque da nova escola iraniana -Kiarostami e Makhmalbaf à frente. Quando um movimento começa a se auto-reverenciar, é chegada a hora da virada. (AL)

Filme: Uma História Real
Direção: Abolfazl Jalili
Produção: Irã, 1996, 140 min.
Com: Samad Khani, Abolfazl Jalili
Quando: hoje às 21h30 no Masp

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