São Paulo, terça-feira, 22 de outubro de 1996
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Reeleição

ANDRÉ LARA RESENDE

Fernando Henrique fez uma investida, deu entrevistas aos jornais e à televisão. Segunda-feira passada, o presidente esteve no "Roda Viva". Os entrevistadores se deslocaram até o Palácio do Planalto. É razoável, evita-se assim a arena em plano inferior à qual os comuns dos mortais são submetidos no programa.
É difícil negar que o presidente se sai muito bem. Comentei aqui a entrevista de Fernando Henrique no Mais!. Extraordinária, difícil encontrar um presidente tão intelectualmente sofisticado e articulado. Curiosa é a reação, se não do público, da própria imprensa, da qual a Folha é o exemplo mais eloquente. De qualquer forma, não há dúvida de que se trata de uma reação que reflete ao menos uma vertente do sentimento geral.
Há uma evidente má vontade, uma certa irritação com o brilho excessivo do presidente. Já é presidente da República e ainda por cima é culto, intelectualmente sofisticado e um argumentador brilhante. É demais. O resultado é uma certa sensação de desconforto, de insatisfação: com todos esses atributos Fernando Henrique deveria ser capaz do impossível.
Está certo, o presidente é brilhante, deixamos para trás o inferno da inflação, a economia está em recuperação, as reformas avançam, não há oposição à altura, não existe projeto alternativo claro nem aqui nem alhures, mas e daí? O país é pobre, a miséria continua, os poderosos continuam poderosos, os fracos continuam fracos, os doentes, doentes e -tragédia das tragédias- continuamos todos mortais.
Subjetivo sim, mas seria um erro grave desqualificar ou subestimar a importância desse tipo de sentimento, dessa "malaise" difusa em relação ao presidente e ao governo. As pesquisas comprovam que o governo ainda tem o apoio da maioria. O apoio, sem dúvida, mas não sei se tem também a simpatia.
Acho que a proposta da reeleição, percebida como uma iniciativa do próprio Fernando Henrique, tem culpa no cartório. Identificado com o presidente e seu governo, sou reiteradamente convocado a me manifestar sobre o tema. Pois vamos lá: o processo de estabilização, de modernização, de adequação e de integração do país à moderna economia mundial exige mais do que quatro anos.
Fernando Henrique parece o melhor nome para conduzi-lo até a consolidação. Há grandes vantagens em evitar os sobressaltos e as descontinuidades nessa fase ainda imatura. Sou, portanto, a favor da reeleição.
Mas vejo inconvenientes. Não os mais comumentes invocados: as concessões políticas, o sacrifício das metas fiscais e assim por diante. Sinceramente, não acredito que este governo seja míope o suficiente para sacrificar seus objetivos em nome de mais tempo para consolidá-los.
O problema está justamente no inevitável toque de personalismo, de velho caudilhismo latino-americano, que adquire o condicionamento do projeto reformador à reeleição. Há um inegável elemento de contradição em vincular a consolidação de uma economia democrática moderna à pessoa do presidente. Trata-se do reconhecimento explícito de nossa pobreza institucional.
Se assim é, melhor reconhecê-lo, mas não sei se a tese da necessidade imperiosa da reeleição ajuda. Além do mais, nem mesmo todos os vinhos envelhecem bem, e os governos, com toda certeza, envelhecem mal.

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