São Paulo, quarta-feira, 23 de outubro de 1996
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Não somos imbecis

GILBERTO DIMENSTEIN

Não está fácil encontrar hotel em Nova York, especialmente para quem quer gastar menos de US$ 200 por dia.
A enxurrada de turistas produz recordes de ocupação dos hotéis e inflaciona o preço das diárias, que agora custam, em média, US$ 160. Só do exterior devem chegar este ano 6 milhões de visitantes; três vezes mais do que o Brasil recebe anualmente.
Os cifrões do turismo esfarelam uma popular profecia. Manhattan estaria condenada, diziam, a sucumbir ao desemprego e ao crime, dominada por gangues de traficantes. Os paulistanos têm a mesma sensação, de que o futuro tende a ser pior.
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Passei três dias na semana passada em São Paulo. Não houve uma pessoa (repito, uma) que não reclamasse do crime ou do trânsito. Quis tirar dinheiro no caixa eletrônico à noite, e quase não me deixaram.
Ao voltar para Nova York no domingo, minha percepção ganhou contornos científicos quando li pesquisa do Gallup mostrando que ir embora é o sonho da maioria dos paulistanos. Depois de construir a mais avançada cidade da América Latina, será que o paulistano virou imbecil, incapaz de inovar e enfrentar os desafios?
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Não consigo acreditar que o gene da passividade tenha se apoderado dos habitantes da cidade onde nasci e cresci, fazendo-os sentir imbecilizados diante dos tipos que jogam papel na rua, destroem orelhões ou saem dando tiros pela cidade.
O sentimento de derrota do paulistano é resultado do excesso de confiança na capacidade dos homens públicos de resolver problemas, combinado com falta de empenho comunitário.
Para piorar, muita gente imagina que grande obra é ajudar carro privado a trafegar pelas ruas. Novos túneis e avenidas beiram a inutilidade numa cidade que recebe 300 mil novos veículos a cada ano.
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O renascimento de Nova York está associado à aliança da ousadia de homens públicos com a consciência de que todos juntos -empresários, ONGs, movimentos religiosos, associações de bairro, universidades, escolas- podem vencer o derrotismo. Se os jovens se matam de madrugada, cria-se um campeonato de basquete à meia-noite para tirá-los das ruas.
Empresários adotam escolas, transformando-as em focos de luz para a comunidade. Não atraem só alunos, mas também os pais. Viram espaços de ensino contra drogas, crime ou gravidez precoce.
Prosperam penas alternativas para que o indivíduo não fique na cadeia; multiplicam-se clínicas de tratamento e prevenção ao vício. A polícia vai para a rua fazer patrulhamento ostensivo e preventivo.
Baixam os impostos para que as empresas não se mudem, o prefeito rasteja até atrair firmas.
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O Brasil já provou que consegue produzir soluções sociais criativas. Uma delas é a moeda Legal, para atrair meninos de rua, conversível apenas nos programas de educação mantidos pelo governo do Estado. Como o Legal, há centenas de boas idéias nas cidades. Conhecimento não falta. Nem inteligência.
PS - Errei. O endereço da página que ajuda pacientes com câncer é http://cure.mendinfo.org.

E-mail GDimen@aol.com
Fax (001-212) 873-1045

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