São Paulo, quinta-feira, 24 de outubro de 1996
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Empresários suicidas e entidades capachildas

ALOYSIO BIONDI

Não é apenas a equipe econômica, auxiliada por de-formadores de opinião, que insiste em manter o falso otimismo sobre a evolução da economia.
Entidades empresariais também estão encobrindo as dimensões da crise, silenciando ou, pior ainda, "inventando" explicações positivas para encobrir problemas. Aderiram ao papel de Polianas, em lugar de exercer o seu papel de representantes de industriais, comerciantes e agricultores, ameaçados em sua sobrevivência.
E os empresários, suicidas, cruzam os braços diante desse comportamento das lideranças, enquanto a quebradeira avança. Lembrete: chegamos a outubro, último trimestre do ano, período em que a indústria e o comércio deveriam viver uma fase áurea em função das vendas natalinas.
Quebradeira dourada
Na primeira quinzena de outubro, o atraso no pagamento de prestações pelo consumidor voltou a dar um salto.
A inadimplência sempre esteve altíssima durante o ano inteiro, chegando a 3,5 milhões de carnês em atraso em São Paulo, desmentindo os Polianas. Pois ela voltou a crescer 12% sobre igual período de outubro e 28% sobre 1995.
Explicação poliânica do porta-voz da Associação Comercial Paulista, ao divulgar os dados: a redução da multa em casos de atraso, aprovada pelo Congresso, já levou o consumidor a adiar pagamentos. Verdades?
O mesmo porta-voz, da mesma Associação Comercial, na mesma hora, anunciou outro dado, devidamente escondido no pé do noticiário. Também os pedidos de concordatas de empresas deram um salto, muitíssimo mais violento: 83% a mais sobre setembro e 22% sobre 95.
O que os Polianas têm a dizer a respeito, já que no caso não houve influência da "multa menor"? A verdade é que a inadimplência do consumidor e empresas agravou-se. Às portas do Natal.
Cheques e mel
A Serasa é uma espécie de SPC dos bancos (que, eles sim, só têm motivos para amar, de paixão, a equipe FHC/BNDES). A entidade mantém cadastros sobre a "vida bancária" (emissão de cheques sem fundos, protesto de títulos etc.) dos consumidores e empresas.
Em setembro, a Serasa verificou redução no número de cheques devolvidos por falta de fundos no país.
O porta-voz da Serasa não perdeu a oportunidade para fazer aquelas análises lambuzadas de mel, que chegam a enjoar, de tão repetidas, sobre qualquer fato econômico no país: "A redução é consequência de uma série de fatores positivos decorrentes do Plano Real. A estabilidade da moeda, a queda da inflação, a queda do desemprego (?) estão permitindo ao consumidor planejar melhor seu orçamento. E ele, consumidor, aprendeu a não gastar demais, depois do grande calote de 1995".
Patacoadas. O mesmo porta-voz deixou de incluir em sua análise outro dado da própria Serasa, que ele próprio divulgou (e que apareceu no "fim" das notícias da imprensa).
Qual é o dado? É simples: no mês passado, houve brutal aumento no número de cheques não-aceitos pelo comércio.
Isto é: os consumidores foram às compras, apresentaram os cheques, o comerciante ligou para um serviço Telecheque e foi informado de que o consumidor era inadimplente, não confiável. Quer dizer: o número de cheques sem fundo caiu porque eles não chegaram a ser aceitos pelo comércio.
Os de-formadores
Manchete de jornal: "Estoque pode baixar preço neste Natal". Cor-de-rosa. Simpática, poxa vida. O consumidor no Paraíso do Real, né?
A notícia diz que as indústrias anteciparam a formação de estoques, pois "não querem perder vendas e se preparam para um mercado mais competitivo". Essa baboseira toda sobre Real, neoliberalismo e abertura de mercado.
A verdade? Diz também a notícia: "Em agosto e setembro, todos os fabricantes de eletroeletrônicos, utilidades domésticas, material de construção e montadoras de automóveis acumulavam estoques acima da média histórica".
Encalhe. Às portas do Natal. Encoberto pelos de-formadores de opinião.

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