São Paulo, quinta-feira, 24 de outubro de 1996 |
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Waltercio Caldas contraria todas as normas do mundo
PAULO SERGIO DUARTE
Esses traços do trabalho de Waltercio Caldas encontram-se potencializados nas obras apresentadas na 23ª Bienal de São Paulo, pela síntese feliz da escolha do artista no projeto de sua sala. Mas ressalta-se seu valor, também, porque cresce "o ruidoso e estúpido espetáculo do mundo". Desnorteado e arrogante, um ex-social-democrata estima que, em 20 anos, os excluídos, no país, serão algumas dezenas de milhões. Sabe-se lá, talvez isso não seja problema dele. Virem-se. Junto às migalhas da globalização, chega o cortiço teórico onde o adjetivo virtual consolida simulacros por toda parte. A literatura imita o filme, que imita a publicidade, que imita a mídia, que imita ela mesma. Um filósofo decreta a morte do real e, como uma gracinha, a batiza de "o crime perfeito", porque não restaria nem mais o cadáver. Enquanto morrem o real e a realidade (no discurso) de um lado do Atlântico, do outro desloca-se aceleradamente a produção de valor do trabalho convencional -leia-se operário- para a produção industrializada de conhecimento -leia-se software e seus satélites-, nos quais se incluem o próprio hardware, e os proprietários dessa "fábricas" disputam as listas dos homens mais ricos. Tudo muito novo, tudo muito velho. Como não ficar possuído pela oposição radical a isso tudo que consiste a investigação de Waltercio? Oposição que se traduz por contrariar todas as normas deste mundo, desde as formas de produção e consumo até sua ética. Olha-se, hoje, por saturação, no tempo e no espaço, ou deve haver exorbitância por todos os lados, diacrônica e sincrônica. O modelo atual é o videoclipe, brutalizando o olhar leigo. Mas, da mesma forma que ele deve ser excessivo, sua estética extravasa e invade a escultura, a pintura, a gráfica, a arquitetura e, no final, as relações pessoais e o convívio. Pois o trabalho de Waltercio exige o inverso: economia de meios, presença discreta e sutil, reflexão, duração, para que se realize sua apreensão. Não é por acaso que se pode confundir essa matematização digna e inteligente com desmaterialização da arte. A cor é o corpo das coisas; é por sua presença, suas nuances e sombras que percebemos os volumes, as superfícies e até a atmosfera que nos envolve e adquire, sob a luz do dia, a cor azul do céu. A massa líquida transparente fica azul ou verde nos rios ou oceanos quando toma corpo. Sua presença mínima, no limite do aparecer nos fios de Waltercio, dá força à evidência: há corpo e existência plena nesses frágeis desenhos que nem mesmo delimitam o espaço. Passam e ficam, ao mesmo tempo. Estáveis e serenos, os objetos que têm corpo não têm cor. Essa estabilidade tranquila não é obtida com peso ou massa. Seu corpo e transparência também tomam partido da matéria frágil: transparentes, as esculturas são de vidro. São configurações do silêncio, uma poética da forma que se impõe como desdobramento de um trabalho que já vai completar três décadas, mas -lembrando-, também, pela negação radical ao mundo que a cerca. Texto Anterior: CLIPE Próximo Texto: Maior poeta japonês vivo faz recital com Haroldo de Campos Índice |
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