São Paulo, sábado, 26 de outubro de 1996
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Histórias de Falcão divertem com simplicidade

MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

O antigo ponta-esquerda Lula, ídolo do Internacional na década de 70, certa vez acordou mais cedo na concentração do Beira-Rio e foi jogar sinuca com o técnico Minelli.
Antes, passou para um calor tenebroso o ar-condicionado que, no frio, obrigava Manga, Carpeggiani e Hermínio a dormirem de cobertor.
Quando os jogadores acordaram, suando, quiseram surrar o companheiro.
Em Natal, Minelli descobriu o que levava Lula e o goleiro Manga a beber água de coco com prazer incomum: dentro do coco só havia uísque.
Na mesma cidade, o ponta encantou-se, numa boate, com uma dona que prometia. No motel, constatou que, sob quilos de maquiagem, se escondia uma senhora com razoável quilometragem. Fugiu, mas não adiantou.
No hotel, Lula soube que ela o aguardava na recepção quando Carpeggiani o avisou: "Desce lá na portaria que tem uma onça te procurando."
Essas são historietas de uma das 54 crônicas de Paulo Roberto Falcão em "Histórias da Bola", as memórias que está lançando pela L&PM Editores.
Ao contrário de Zico, na autobiografia publicada há poucos meses, Falcão não faz um relato com início, meio e fim, respeitando a cronologia de sua carreira de jogador, técnico e comentarista.
Em depoimentos ao jornalista Nilson Souza, ele fala de episódios e personagens que o marcaram. Acompanhando a maioria dos textos, há ilustrações de Edgar Vasques.
O resultado são 150 páginas cativantes. Falcão rememora figuras do Inter tricampeão brasileiro, da Roma campeã italiana em 82/83 e das seleções brasileiras de 82 e 86.
Há desde as molecagens de Mário Sérgio no Inter ao discurso de Sócrates depois da tragédia na Copa da Espanha.
As imagens descritas por Falcão têm tintas de neorealismo, como seu esforço vendendo garrafas para pagar as passagens do ônibus em que ia aos treinos, têm dramas como o de Di Bartolomei, seu colega da Roma que acabou se matando.
As lembranças permitem o reencontro com figuras do futebol gaúcho, brasileiro e mundial dos últimos 20 anos.
São um passeio pela memória afetiva de quem se emociona com o futebol, de quem se comoveu com lances, partidas e jogadores como com um personagem de Vargas Llosa ou García Márquez.
Mas o impacto emotivo não é o melhor das memórias dele.
Elas revelam o dia-a-dia de uma equipe, o que os jogadores conversam no campo, como se preparam para as divididas com os oponentes e o juiz.
Simples e despretensiosas -talvez por isso empolgantes-, elas lembram a história do cotidiano, o ramo da historiografia que desvela as sociedades não pela pregação das elites nos salões ou pelo retrato da malta nas ruas.
Falcão conta aquilo que não se vê na imprensa. Confidencia como sabia que Passarella tentaria atingi-lo em 82 e o que lhe dizia Romualdo Arpi Filho, um árbitro conhecido como coluna do meio, tamanho seu apreço por empates.
No fim, deixa a pergunta: por que o autor não cita um só caso de sua experiência como técnico da seleção? Será que, para ele, não valeu a pena?

Matinas Suzuki Jr., que escreve aos sábados, terças e quintas, está em férias

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