São Paulo, sábado, 26 de outubro de 1996
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Conrad Rooks fala de uma outra América

EDUARDO SIMANTOB
DA PUBLIFOLHA

Falar que Conrad Rooks, 62, é um cineasta e americano não seria muito correto. Afinal, Rooks fez apenas dois filmes, o último em 1972, e passou mais anos de sua vida no Oriente do que na América.
Mas, antes de fazer a opção radical de se mudar para o outro lado do mundo, Rooks percorreu a via-crúcis de todo bom "junky", viciando-se em medicamentos já aos nove anos de idade.
Aos 14 era alcoólatra e maconheiro, e aos 18 conheceu os alucinógenos. "Limpou-se" numa clínica suíça, mas a redenção veio mesmo com o budismo e o fascínio pela cultura oriental.
Rooks poderia ter documentado sua passagem pelos anos 60 e seus amigos notáveis, como os músicos Ravi Shankar e Ornette Coleman, o escritor William Burroughs ou a ex-primeira-ministra indiana Indira Gandhi.
Mas resolveu simplesmente viver seu tempo e fechou-se num retiro na Tailândia.
*
Folha - O sr. saiu dos EUA há mais de 30 anos. Seria isso um exílio?
Rooks - Bem, eu acabei de voltar dos EUA semana passada, depois de oito anos sem pisar lá. É que meu irmão estava morrendo de câncer e, na outra vez, a razão foi o casamento do meu filho. Não conseguiria mais viver nos EUA, onde sou quase um estrangeiro.
Folha - E qual sua impressão do país após essa última visita?
Rooks - Os hospitais são muito bons (risos), foi só isso que vi. O lado estúpido da América também vi no hospital.
Meu irmão estava morrendo e os médicos me perguntavam quanta morfina deveriam aplicar nele, como se fosse uma questão de consciência.
Folha - E como o sr. foi parar no Oriente?
Rooks - Minha primeira viagem foi em 1959. Voltei em 1963 com minha primeira mulher. Foi quando compramos uma ilha no Sri Lanka, que pertencia ao (escritor americano) Paul Bowles. Passei os anos 60 em trânsito, morei dois anos na França.
Peguei a bagunça toda de maio de 1968. Mas em 74 me mudei para Nova Delhi (Índia) e depois vim para a Tailândia.
Folha - O sr. participou dos testes de ácido e da movimentação que ocorria nos EUA nos anos 60?
Rooks - Conheci Timothy Leary ainda em Harvard, onde ele aplicava o LSD em todo mundo. Isso foi em 1960, Leary queria ser um messias, mas não passava de uma fraude. E eu lhe disse literalmente que ele era um babaca.
Folha - Por que babaca?
Rooks - Ora, ele estava divulgando para qualquer um o segredo de drogas sacramentais, os alucinógenos, transformando algo muito precioso para inúmeras culturas em um show, um programa.
Folha - O sr. acha que toda aquela agitação foi um grande erro?
Rooks - Não exatamente. As idéias eram muito bonitas, mas a energia dos hippies foi muito mal conduzida. Eles não sabiam com que estavam lidando.
Folha - O sr. fez apenas dois filmes, o último em 1972. O senhor desistiu do cinema?
Rooks - Eu não abandonei o cinema, só cansei de ser trapaceado por Hollywood. E gastei metade do meu dinheiro com "Chappaqua" e o resto com "Sidarta".
Folha - O sr. vai voltar a filmar?
Rooks - Estou há sete anos preparando um filme sobre minha primeira mulher, Zina Rachevsky, que virou monja e morreu num mosteiro já há alguns anos. Ela era sobrinha dos Romanov (família real russa, exterminada durante a Revolução de 1917) e foi por meio dela que conheci Burroughs, Ginsberg e a cena do movimento beat. Foi ela também quem me introduziu ao Oriente.
Mas Zina é apenas a condutora de uma história cuja personagem principal é o poder da sexualidade.
Folha - O sr. se ocupa muito desse assunto?
Rooks - Eu vivo numa vila minúscula que tem uma população de 30 mil prostitutas. É difícil não pensar nisso aqui (risos).

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