São Paulo, segunda-feira, 28 de outubro de 1996
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"Os Ladrões" e "Ponette" enfocam a solidão

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

É curioso quando cineastas de estilos tão distintos quanto os franceses André Téchiné e Jacques Doillon decidem enfocar a mesma questão a partir do mesmo ponto de partida.
Seus novos filmes, respectivamente "Os Ladrões" e "Ponette", tratam ambos da torturante solidão na França contemporânea, partindo de perdas familiares.
Um garoto de 10 anos, Justin, é arrancado do sono pela notícia da morte de seu pai. Uma menina de 4, Ponette, não acredita na morte da mãe. Justin será apenas uma das peças do quebra-cabeças de Téchiné; Ponette é tudo no melodrama de Doillon.
Questão de coerência. O diretor de "Minha Estação Preferida" (1993) gosta de filmes em mosaico, de um cinema centrífugo que se multiplique em personagens.
Já o cineasta de "O Jovem Assassino" (1990) é sempre centrípeto, escolhe um ou dois protagonistas e cola-se a eles.
A solidão é o paradoxal cimento de "Os Ladrões". Rapidamente, o mistério do pai morto submerge frente à multiplicação de pequenas tramas.
Não há estabilidade possível nas relações humanas, ou melhor, há a estabilidade da instabilidade tornada norma. Um fugaz triângulo amoroso expõe a tese, reunindo um policial (Daniel Auteuil), uma jovem aventureira (Laurence Côte) e uma lésbica que leciona filosofia (Catherine Deneuve).
Já "Ponette" parece ser uma precoce educação para a solitude. A separação aqui não é uma regra, mas um trágico acaso. A pequena Ponette não funciona dentro da lógica dos adultos e duvida da morte materna. É sua ótica que Doillon busca imprimir ao filme.
Acompanha-se o cotidiano de Ponette, a separação do pai (Xavier Beauvois), que precisa trabalhar, a conversa com parentes, a convivência com crianças, tudo sempre marcado pelo isolamento íntimo e pela perda recusada. Essa resistência à idéia de morte aproxima o filme de um discurso difusamente religioso, aguçado pela pretensa conclusão-surpresa.
Doillon baseou seu filme numa exaustiva pesquisa com crianças. Teve a felicidade de encontrar uma menina-prodígio, Victoire Thivisol. Isso não foi o bastante para tornar "Ponette" convincente.
Assiste-se a uma criança de talento imitar -e bem- uma criança triste. Contudo, sua participação num jogo de adultos é por demais evidente para ser, não apenas verossímil, mas verdadeira.
Ria-se dos gângsteres-mirins de "Bugsy Malone -Quando as Metralhadoras Cospem" (1976) -e era exatamente este o efeito esperado. Desconfia-se das crianças-mirins de "Ponette" -e é o oposto do planejado. O desconforto de Ponette, num certo sentido, é o de todos nós.

Filmes: "Os Ladrões", de André Téchiné
Quando: hoje, às 18h10, no Paulistano

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