São Paulo, segunda-feira, 28 de outubro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Doillon filma o direito de negar a morte

CECÍLIA SAYAD
DA COORDENAÇÃO DE ARTIGOS E EVENTOS

"Ponette" rendeu o prêmio de melhor atriz do festival de Veneza a uma menina de 4 anos, Victoire Thivisol.
Dirigido pelo cineasta francês Jacques Doillon, 52, o filme mostra a luta de Ponette para rever uma vez mais sua mãe, morta num acidente de automóvel.
Durante esse processo, ela enfrenta não só fracassos, mas também a reprovação da família e de colegas de escola.
Engana-se quem pensa que a protagonista do filme é a mais jovem atriz de "Ponette". O elenco é composto, em sua maioria, por crianças de 4 e 5 anos.
Em entrevista à Folha por telefone, de S. Barthélemy (Guadalupe), Doillon disse que escolheu fazer um filme com crianças tão novas porque, "aos 4 anos, não se sabe exatamente o que a morte significa, e portanto tem-se o direito de negar essa idéia".
*
Folha - Atores de 4 anos são mais difíceis?
Doillon - São mais difíceis, mas foram mais convincentes do que muitos adultos que vejo atuar. Ainda não acredito ter sido capaz de tamanho empreendimento. Hoje, acho que fiz uma loucura.
Folha - Como as crianças aprenderam o texto?
Doillon - O texto veio, em parte, delas mesmas. Como não sabiam ler, tive que lhes recitar as falas. Elas nunca repetiam exatamente o que eu ensinava, diziam os diálogos à sua maneira. Isso me permitiu utilizar o seu vocabulário.
Folha - Podemos dizer que uma criança de 4 anos interpreta?
Doillon - Não podemos dizer se é interpretação ou não, seria simplificar demais. A questão é saber se uma criança pode encontrar prazer em fingir.
Folha - Ponette sente a morte de sua mãe como um abandono?
Doillon - Sim, mas não quis que o assunto do filme fosse a morte, e sim a recusa da morte. Procurei mostrar alguém que negasse a morte. Todos dizem a Ponette para aceitar a perda de sua mãe, mas ela se recusa a ouvi-los.
Folha - O que a coloca numa solidão muito grande.
Doillon - Mas é a solidão de alguém que luta, que está convencido de que tem razão. Portanto, uma solidão positiva. É um filme sobre o desejo: Ponette quer rever sua mãe; e não desistirá.
Folha - Como Victoire Thivisol reagiu ao prêmio de melhor atriz?
Doillon - Ela ficou contente, mas não viu nada de extraordinário. Perguntei-lhe se sabia o que o prêmio significava, e ela respondeu que sim, que tinha uma amiga que ganhara um troféu porque era a melhor em natação. Portanto, isso significava que, em cinema, ela era melhor que a amiga.
Folha - O sr. sempre trabalha com atores muito jovens. Qual a sua relação com jovens cineastas?
Doillon - Nenhuma. Há uma tradição francesa de cada um ficar no seu canto. Quando fazemos um filme, trabalhamos nele 24 horas por dia. Até temos vontade de ver o trabalho dos outros, mas não podemos nos apoiar neles, e nem queremos servir de apoio. Quando estamos trabalhando, não temos vontade de discutir cinema.
Mas há também um problema de geração. É difícil estabelecer uma relação com a geração imediatamente anterior à nossa. A geração de jovens cineastas não se sente bem com a minha. Provavelmente, entende-se melhor com os diretores da nouvelle vague.

Filme: Ponette
Quando: hoje, às 13h30, no Cinesesc

Texto Anterior: Glauber pode ganhar memorial
Próximo Texto: "Os Ladrões" e "Ponette" enfocam a solidão
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.