São Paulo, quarta-feira, 30 de outubro de 1996
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Doping acelera a produção de leite

BRUNO BLECHER
EDITOR DO AGROFOLHA

O aspecto é de uma UTI veterinária. Munidos de injeções de hormônios, litros de soro, ventiladores e mantas, tratadores e pecuaristas ficam acampados durante 72 horas ao lado de suas vacas para fazê-las ultrapassar seu limite biológico e atingir a superprodução.
A meta é chegar à média de 75 kg, 80 kg, quem sabe, 85 kg de leite nas três ordenhas diárias do torneio.
Vale quase tudo para ganhar essa maratona, realizada em quase todas as grandes exposições agropecuárias do país. Superalimentação com ração balanceada e alfafa, hormônios, suplementos energéticos, estimuladores, protetores hepáticos.
"Sai até fumaça das vacas", diz o veterinário Luis Fernando Laranja da Fonseca, professor assistente da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, da Universidade de São Paulo.
Não é exagero. Com o metabolismo acelerado pelo coquetel de drogas, a temperatura dos bichos dispara e só as mantas molhadas são capazes de resfriá-los.
O BST, um dos hormônios utilizados, estimula a produção de leite. A ocitocina, outro hormônio, contrai os alvéolos para provocar a descida do leite.
Nas doses certas, esses hormônios não provocam danos à saúde dos animais e são usados normalmente pelos pecuaristas. "Mas nos torneios, o pessoal exagera na dose", diz Laranja.
A ocitocina em excesso pode provocar o rompimento dos ligamentos do úbere e mastite.
"O fígado da vaca fica detonado com a overdose de hormônios", explica o veterinário.
Mas o risco maior, segundo Laranja, está na combinação dos hormônios com os suplementos energéticos, que provoca um metabolismo exagerado no animal e pode levá-lo à morte.
"Os animais apresentam taquicardia e respiração superficial e acelerada)", diz Laranja.
José Renato Chiari, veterinário de São Carlos (SP), também critica os torneios leiteiros.
"Eles mudam totalmente a fisiologia da vaca. O BST, que normalmente é utilizado a cada 14 dias, é aplicado em doses exageradas", diz o veterinário.
Segundo ele, os torneios não contribuem para a melhoria genética. "É tudo artificial."
"Esses concursos desgastam a vaca, que pode perder sua eficiência reprodutiva", alerta o zootecnista Fábio Nogueira Fogaça.
Para Angelo Carluccio Neto, veterinário da Companhia Agrícola Nova América, torneio leiteiro é coisa de profissional.
"O bom tratador tem que conhecer o comportamento da vaca e levá-la ao limite", diz.
Essa preparação começa 45 dias antes do torneio. "Existem até profissionais, que visitam as fazendas, escolhem vacas com potencial e se oferecem para o serviço, em troca da divisão do prêmio", diz Carluccio.
"Os prêmios são tão altos que matematicamente compensa até matar a vaca", diz um criador, que prefere não se identificar.
Olímpio Stockler, criador em Bragança Paulista (SP), considera o torneio uma brincadeira.
"O que interessa é a média de produtividade da vaca em condições normais de manejo", diz Stocler.

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