São Paulo, quarta-feira, 30 de outubro de 1996
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Remessas tecnológicas e evasão cambial

ALDO REBELO

O Brasil é um dos dez maiores mercados do mundo. Somos o sétimo colocado no número de veículos novos licenciados e o terceiro maior consumidor mundial de televisores. Uma reportagem da Folha no dia 3 de março apontava a posição do Brasil no ranking mundial de faturamento de algumas empresas multinacionais.
As subsidiárias brasileiras de grandes multinacionais como Nestlé, Coca-Cola, Pepsi, Avon, Gillette, apareciam nos primeiros lugares da lista. O comércio de microcomputadores cresce no Brasil a uma taxa de 25% ao ano. Só em 1995, o faturamento da Microsoft, no Brasil, cresceu 150% em relação a 1994.
Num mundo caracterizado por baixas taxas de crescimento econômico e saturação dos principais mercados, o Brasil, país de dimensões continentais, com um mercado consumidor potencial de mais de 150 milhões de pessoas, surge como uma grande fronteira de expansão para a maioria das grandes empresas mundiais. Só neste ano, metade das fusões e aquisições de empresas que ocorreram no Brasil envolveram empresas estrangeiras se associando ou adquirindo empresas brasileiras.
O seu enorme mercado consumidor é um importante trunfo que o Brasil tem às mãos. Ninguém quer ficar fora dele. Deveríamos, portanto, utilizá-lo para obter vantagens para o país, arrecadando impostos, criando empregos e transferindo tecnologia.
Não é isso, porém, o que se vê. Agimos de forma subalterna, como se as empresas que para aqui vêm estivessem nos fazendo o maior favor do mundo.
A guerra fiscal que se trava entre os Estados brasileiros para atrair tais investimentos é reveladora desse estado de espírito subserviente, que caracteriza nosso país em suas relações com o Primeiro Mundo, e que Paulo Nogueira Batista Jr. designou em artigo recente neste jornal de "medo atávico dos olhos azuis".
Faz parte dessa lamentável sabujice das elites brasileiras, o que está acontecendo com o projeto de lei 284/95 que apresentei em 5 de abril de 1995.
Seu objetivo central é vedar que subsidiárias de empresas estrangeiras façam pagamentos às suas matrizes no exterior por contratos de transferência de tecnologia para produção de bens, uma vez que tal prática é considerada, em qualquer lugar do mundo, remessa disfarçada de lucro.
Propus essa lei porque uma lei anterior -nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991-, aprovada no governo Collor, ao permitir essa prática, criou uma verdadeira porteira para evasão fiscal e cambial no Brasil.
Como mostram os dados disponíveis no Banco Central, entre o período em que tal prática era vedada e o período posterior, em que passou a ser permitida, as remessas de divisas a título de pagamento de contratos de transferência de tecnologia simplesmente dobraram de valor.
Entre 1987 e 1992, o Brasil remeteu, em média, US$ 209 milhões/ano como pagamento de contratos de transferência de tecnologia. No triênio 1993-1995, a média de remessas aumentou para US$ 428 milhões de dólares/ano, um aumento de 105%. E tanto técnicos do Banco Central como do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) afirmam que tal aumento deve-se às remessas tecnológicas de subsidiárias de empresas multinacionais às suas respectivas matrizes.
O próprio deputado, e hoje ministro Francisco Dornelles, que foi o relator da lei 8.383/91 e é, portanto, insuspeito para tratar do assunto, denunciou na Câmara, em nome de seu partido, o aumento das remessas de divisas por meio da conta de serviços, pelas rubricas correspondentes à transferência de tecnologia. Só em 1995, as empresas remeteram, por essa rubrica, US$ 677 milhões para o exterior sem pagar um centavo de imposto.
Embora o projeto já tenha sido apreciado pela Comissão de Economia, Indústria e Comércio da Câmara dos Deputados, merecendo aprovação unânime, encontra-se atualmente paralisado na Comissão de Finanças e Tributação, por conta de pressões, dentro e fora do governo, para não aprová-lo.
Isso não faz sentido. O que se propõe é dar um tratamento fiscal à questão das remessas tecnológicas amplamente aceito em qualquer lugar do mundo. Ou será que somos tão diferentes que precisamos acenar às empresas estrangeiras com a legalização de comportamentos considerados fraudulentos nos demais países para poder atrai-las para cá?

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