São Paulo, quarta-feira, 30 de outubro de 1996
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'Três Vidas' experimenta com vanguardas e curtas

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

"Três Vidas e Uma Só Morte" é a mais acessível realização recente do diretor chileno, radicado na França, Raul Ruiz, 55. Raras vezes Ruiz combinou seu ímpeto experimental com semelhante talento narrativo. Valeu a espera.
Ruiz começou como dramaturgo de vanguarda no Chile do início dos anos 60. A ascensão ao poder da Unidade Popular liderada por Salvador Allende o descobriu já imerso na prática cinematográfica, tornando-o um dos organizadores do centro de cinema, ao lado de diretores como Miguel Littin.
O golpe pinochetiano o conduziu em 1973 ao exílio, primeiro na Argentina e depois na França.
Seu primeiro filme no exterior, "Diálogos de Exilados" (1974), seria ainda marcado pelo debate político. Ruiz, contudo, não se acomodou dentro do figurino do cineasta militante. Seu discurso fílmico e teórico foi crescentemente se sofisticando, disposto a provar a riqueza da linguagem audiovisual.
As relações entre cinema e pintura foram poucas vezes tão bem exploradas quanto em "A Hipótese do Quadro Roubado" (1978).
Todo um projeto de um filme palidrômico, isto é, que pudesse ser visto com o mesmo sentido do início ao fim e do fim ao começo, foi por ele desenvolvido, permanecendo até aqui inédito.
A influência surrealista é marcante em obras recentes como "O Olho Que Mente" (1992).
Fiel ao ecletismo bem-humorado, que o leva a alternar um novo longa com vídeos experimentais e séries para TV, "Três Vidas e Uma Só Morte" traz Ruiz experimentando com o "formato curta".
Quatro histórias se sucedem, todas protagonizadas pelo paradigma do ator cinematográfico em atividade, Marcelo Mastroianni, 72. Ele se multiplica, em cascata, misturando registros tragicômicos como só ele sabe fazer.
É Mateo Strano, um bom marido que um dia sai de casa, abandona a mulher (Marisa Paredes) e passa vinte anos antes do retorno.
É um respeitado antropólogo, Georges Vickers, que atira tudo para o alto, vira mendigo e se apaixona por uma rica prostituta.
É ainda o estranho mordomo de uma mansão herdada num golpe do acaso por um jovem casal (Melvin Poupaud e Chiara Mastroianni). Por fim, é Luc Allemand, esperto empresário que de tanto inventar uma família um dia acaba recebendo-a na própria casa.
Pistas vão expondo os vasos comunicantes entre os episódios. "São todas o que chamo de histórias imortais, que todos conhecem", assume Ruiz. "Formam parte da vida e da imaginação das grandes cidades. Combinei-as segundo uma espécie de padrão cubista. Quatro histórias simples". Num simples grande filme.

Filme: Três Vidas e Uma Só Morte
Quando: Hoje, às 18h20, no Cine Paulistano

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