São Paulo, quinta-feira, 31 de outubro de 1996
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Autopeças mineiras

LUÍS NASSIF

Em 1990, uma pequena empresa faturava US$ 6 milhões/ano. Este ano, vai faturar US$ 180 milhões, dos quais US$ 60 milhões serão destinados a investimentos em tecnologia.
Não se trata de um conto de fadas do mercado de informática americano. Mas de uma história mineira, de um setor tido como moribundo: o de autopeças.
Até o próximo ano, essa empresa passará a contar com um exército de 180 robôs. Ela está em linha com a melhor tecnologia do mundo, foi uma das empresas que participou do projeto pioneiro do Palio -totalmente desenvolvido no Brasil- e, segundo seu dono (que, por essas esquisitices mineiras, não autoriza por enquanto a divulgação do nome da empresa), pratica preços e qualidade internacionais.
Trata-se de uma história fantástica -na melhor acepção do termo- que não pode ser tomada como regra do setor. Mas que é utilizada pelos mineiros para demonstrar duas teorias:
1) Não é verdade que o setor de autopeças padeça de fraqueza estrutural. Mesmo com alíquotas reduzidas de importação e "custo Brasil" elevado, é possível criar um setor forte. A crise é centrada em São Paulo porque aqui o setor demorou a entender e se preparar para os novos tempos.
2) Nenhuma empresa do setor se desenvolve no vazio. O milagre mineiro foi fruto de uma combinação feliz da montadora, do setor, da Fiemg e do governo mineiro, que exercitaram, na mais pura acepção do termo, um projeto bem-sucedido de política industrial de longo prazo.
Histórico
Esse processo foi deflagrado em 1990, quando a Fiat decidiu romper com o cartel do setor e passou a disputar mercado.
A empresa reuniu seus fornecedores e alertou que o jogo iria mudar. Quem quisesse continuar produzindo para a Fiat teria que perseguir a eficiência.
A partir dali, teve início a integração entre as diversas entidades do Estado. Acordou-se um plano de crescimento, que deu rumo seguro à atuação de todas as partes.
A montadora definiu seu programa de investimentos. O Estado tratou de garantir infra-estrutura. A Fiemg começou a preparar treinamento de mão-de-obra. E as autopeças passaram a praticar uma política ativa, sempre trabalhando na perspectiva de produção crescente e preços minguantes.
A empresa em questão era uma pequena estamparia que produzia só para a Fiat. Com o fim dos fornecedores perpétuos, tratou de ocupar espaço.
Sua primeira investida foi oferecer-se para fabricar a estamparia do recém-lançado Tempra. Em vez de apresentar plano vago, tratou de obter financiamentos para construir uma linha exclusiva, mesmo sem a garantia do fornecimento. Ganhou a parada.
Princípios
A partir da conversa com o empresário, é possível extrair alguns princípios de ação:
Regra 1 - Nunca fique em posição passiva. Sempre procure levar idéias e soluções para a montadora.
Num certo momento, percebeu que poderia nacionalizar os sistemas integrados do Palio. Ofereceu-se para fornecer todo o sistema de eixo traseiro e ganhou a parada.
Regra 2 - Primeiro tem que fazer para depois pegar o serviço.
Para se habilitar ao sistema integrado, primeiro o empresário fez das tripas coração e conseguiu investir US$ 20 milhões em uma linha dedicada à fabricação do sistema. Com a linha montada, apresentou-se novamente à Fiat e ganhou a encomenda.
Regra 3 - Invista em tecnologia e treinamento e saia das áreas-meio.
Para ganhar agilidade, o empresário tratou de terceirizar todas as áreas-meio. Transferiu tornos a ex-funcionários, que montaram sua própria empresa -que, hoje, cresceu e adquiriu mais tornos. E todos os esforços internos foram na direção de buscar melhores tecnologia e treinamento.
Capital
Se no campo da produção a empresa é recordista, é bem possível que disponha de uma estrutura frágil de capital. Ninguém dá um salto dessa ordem em um setor que requer investimentos pesados recorrendo exclusivamente a financiamentos.
Percorreu-se esse caminho porque não havia outro. Dispondo de investidores na outra ponta -fundos de investimento ou de pensão-, de assessoria financeira competente, o pequeno fabricante do início da década poderá, no final, ser um fornecedor mundial.
Moral da história: qualquer reestruturação do setor paulista só será legítima e eficaz se não se revestir de nenhum aspecto paternalista e se for aberto espaço para que os verdadeiros empreendedores possam encontrar o ambiente adequado para se desenvolver.

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