São Paulo, quinta-feira, 31 de outubro de 1996
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Dauman prega contra globalização

Produtor critica 'religião planetária do dinheiro'

INÁCIO ARAUJO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

A expectativa, na segunda-feira, girava em torno de "O Cego que Gritava Luz", de João Batista de Andrade, filme que abriria à noite a mostra competitiva (e acabou decepcionando).
Mas quem roubou a cena foi Anatole Dauman. O francês é um dos principais produtores da segunda metade do século, tendo em seu currículo filmes com Alain Resnais, Jean-Luc Godard, Robert Bresson, Nagisa Oshima. No momento, produz "Level Five", de Chris Marker.
Ele veio a Brasília para dar uma conferência sobre o "cinema de resistência", amanhã. É parte de uma espécie de cruzada que realiza contra "a religião planetária do dinheiro", nome que dá ao processo de globalização.
Falando à Folha, Dauman sustenta, de início, que "resistência é uma escolha que nos é imposta. Ninguém nasce resistente. Mas, quando existem os nazistas, você não tem outra escolha".
Os "nazistas" do momento são, para Dauman, os monopólios. Primeiro monopólios locais (franceses, no caso): os grandes circuitos, Gaumont e UGC, que tendem a liquidar exibidores independentes.
Em seguida, monopólios internacionais. As "majors" de Hollywood tomariam os monopólios locais como reféns, impondo seja seus filmes, seja um padrão "americanizado", como diz.
Dauman não fala como socialista ou algo assim. Daí a originalidade de sua crítica. Qualifica-se "conservador" e lança farpas a cada duas frases contra o governo socialista. Criou o neologismo Mitterrândia ("o país do poder de Mitterrand").
Chama de "Disneylang" o sistema de concentração de poder dos grandes circuitos, que atribui a Jack Lang, o ministro da Cultura de François Mitterrand. Segundo ele, Lang é que teria imposto à França a idéia do cinema como "entertainment" (isto é, produto de consumo, não arte).
No mais, a defesa de cotas de filmes europeus na TV e no cinema parecem-lhe mera perfumaria. Tudo o que quer é o retorno à regra liberal da livre concorrência.
"Hoje temos um oligopólio que reina sobre toda a criação na França. Já imaginou se todas as livrarias num país tivessem um único dono? Mas é o que acontece no caso do cinema", diz.
E completa: "Mas não tome isso como anti-americanismo. Francis Ford Coppola pensa como eu. Lá, as 'majors' e Wall Street também asfixiam a criação".

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