São Paulo, sexta-feira, 1 de novembro de 1996
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Quem matou Pasolini?

CELSO FIORAVANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Hoje, quando se completam 21 anos da morte de Pier Paolo Pasolini (1922-1975), São Paulo vê dois filmes sobre as circunstâncias da morte trágica do escritor, cineasta e intelectual italiano. "Pasolini - Um Delito Italiano" estréia no Espaço Unibanco de Cinema, e "Nerolio" tem sessão na Mostra.
Marco Tullio Giordana, 44, o diretor do primeiro, nunca acreditou na versão oficial do crime e realizou o filme em que esmiúça o que teria realmente acontecido na noite entre 1º e 2 de novembro de 1975, quando Pasolini foi brutalmente assassinado.
Na época, o menor Giuseppe Pelosi, então com 17 anos, confessou ter sido o único responsável pelo crime. Foi condenado, mas o crime não foi esclarecido.
Em entrevista à Folha, de Roma, por telefone, Giordana falou sobre os culpados pelo crime e o papel da imprensa no caso.
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Folha - Hoje, passados 21 anos, da morte de Pasolini, o que ou que coisa você pensa que matou o cineasta?
Giordana - Do ponto de vista prático, foi morto por um grupo de rapazes, entre eles Giuseppe Pelosi. Digo apenas um grupo de rapazes porque não sei se eram militantes políticos, ladrões ou garotos de programa. Mas estou certo que Pelosi não agiu sozinho. Essa é uma resposta judiciária.
Mas existe uma resposta metafórica. Quem realmente matou Pasolini foi a indiferença da Itália. A indiferença em relação às coisas que disse, principalmente nos últimos anos de sua vida e a indiferença em descobrir a verdade sobre sua morte.
Mas Pasolini foi muito mais forte que a indiferença da Itália e sobreviveu em suas obras, na lembrança das pessoas e no grande interesse que sobretudo os jovens têm por seu personagem.
Folha - Quem foram os responsáveis pelos erros e omissões cometidos durante as investigações sobre o assassinato: a Justiça, a sociedade italiana, a classe política...?
Giordana - Eu diria que todo o establishment italiano: os juízes, os policiais, os políticos e até mesmo os jornalistas. Todas as pessoas que ocupam postos de responsabilidade e que, em vez de servir a comunidade, usam-na pelo poder e pelo dinheiro. Isso ficou muito evidente nos últimos anos com todos os processos de corrupção. Quando Pasolini dizia que isso aconteceria, ninguém acreditava. Hoje é uma verdade inegável.
Folha - Qual foi o papel da imprensa no processo?
Giordana - Foi um papel pouco estimulante, com poucas exceções, pois sempre existem pessoas animadas pelas boas intenções e pelo senso de dignidade do próprio trabalho. Mas eles são uma minoria, e a maioria da imprensa italiana absorveu a versão oficial e nunca se preocupou em fazer investigações mais aprofundadas, renunciando não apenas à missão do jornalismo, mas também ao seu lado divertido.
Folha - Você crê que existam relações entre a morte de Pasolini e os anos negros do terrorismo que vieram em seguida?
Giordana - Existe relação no sentido em que Pasolini, mesmo sendo um homem de esquerda e revolucionário, era um não-violento. Depois de sua morte, fez falta o peso, a autoridade e um testemunho político não-violento.
Muitos jovens, então, não tendo Pasolini como referência, foram cooptados pela violência. Estou certo que ele condenaria os episódios de violência das Brigadas Vermelhas. Se existisse um homem como ele para condenar esses atos, muitos jovens que escolheram a estrada do terrorismo teriam ficado no terreno da democracia.

LEIA MAIS sobre Pasolini à pág. 4-3, sobre estréias na cidade à pág. 4-5 e sobre a Mostra de cinema à pág. 4-4

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