São Paulo, sábado, 2 de novembro de 1996
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Eleito, qualquer que seja, deve reforçar cooperação regional

PAULO TARSO FLECHA DE LIMA
ESPECIAL PARA A FOLHA

É ponto quase axiomático de relações internacionais que sociedades democráticas desfrutam de políticas externas mais estáveis e consistentes ao longo do tempo. Uma das razões está na diferença entre o tempo da ação política interna e o tempo da ação diplomática. Enquanto as conjunturas internas estão sempre sob a pressão de paixões e interesses particulares, a ação externa responde aos interesses globais de cada nação. Aqui, se impõem a visão sóbria de prioridades e a análise objetiva de desafios e oportunidades.
As eleições norte-americanas devem comprovar essa tese, e minha percepção é de que os rumos da política externa dos EUA nos próximos quatro anos se deixarão alterar apenas marginalmente pela configuração política que surja como vencedora. Uma indicação nesse sentido já foi dada pelos debates presidenciais, onde os temas da agenda externa foram uma espécie de ausência de honra. Creio equivocada a visão que atribui essa ausência à suposta falta de interesse ou visão do establishment político sobre temas internacionais. Ao contrário, vejo que foi precisamente o alto grau de convergência entre as propostas e o relativo consenso bipartidário que se logrou obter sobre alguns temas centrais que tornaram ocioso o seu debate.
Nesse cenário, a questão que desponta como obrigatória para para nós é buscar aprofundar áreas de cooperação e identificar novos horizontes para o relacionamento bilateral. Um ponto chave a ser de saída ressaltado é que qualquer análise objetiva do futuro do relacionamento hemisférico reserva ao Brasil um papel central.
Um estudo crítico de quanto foi feito em termos de política externa norte-americana para a América Latina nos últimos anos revelará que pouco se avançou além do reconhecimento retórico de que é melhor ter parceiros com regimes democráticos e economias abertas do que o contrário. Esse reconhecimento, entretanto, nem sempre foi capaz de se traduzir em medidas concretas. Hoje, o que se assiste é uma preocupação monotemática com o narcotráfico e uma tentativa de fazer avançar o processo de integração hemisférica que nem sempre sabe escutar as demandas legítimas da região. O contraste entre o que foi feito na esfera pública e quanto se alcançou nas relações entre agentes privados com a intensificação do comércio e investimento intra-hemiféricos dá bem a dimensão de quanto há por fazer na arena diplomática.
Com efeito, em um mundo do qual se removeu a variável ideológica como determinante de política externa, o desenho de um padrão de cooperação hemisférica à luz dos novos valores que hoje fundamentam o diálogo regional é nossa responsabilidade histórica. O Brasil entende que esta tarefa é uma prioridade incontornável de sua política externa e sua posição no cenário regional o habilita a um papel protagônico. Mas para que o quadro da integração esteja completo será necessário que os EUA se mostrem prontos a dar dimensão concreta a seu reconhecimento dos valores da democracia e da liberdade de comércio regionais. A tarefa cabe desde já ao presidente que escolha o povo norte-americano na próxima terça-feira.

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