São Paulo, sábado, 2 de novembro de 1996
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Teatro redescobre a antiteatro de José Vicente

ERIKA SALLUM
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Para o crítico teatral Sábato Magaldi, ele é um dos grandes na história da dramaturgia brasileira. Para o diretor José Celso Martinez Corrêa, só há uma palavra para classificar sua obra: "genial".
José Vicente de Paula, 51, autor dos clássicos "O Assalto" e "Hoje É Dia de Rock", volta a ser assunto mesmo depois de ter abandonado o teatro há mais de 15 anos.
O autor renasce como tema central da mais nova montagem do diretor Gabriel Villela, "Ventania". A peça, escrita por Alcides Nogueira, entrou em cartaz na semana passada no Rio de Janeiro e tem o roteiro baseado no trabalho do dramaturgo.
Convidado para a estréia do espetáculo em sua homenagem, Zé Vicente preferiu ficar em casa.
"Tomei a decisão de continuar recluso. É uma resolução pessoal, que envolve vários motivos. Prefiro não comentar", disse o autor, em entrevista exclusiva à Folha.
Logo em seguida, completa: "Afastei-me do teatro por motivos políticos e religiosos" -sobre os quais também não fala.
O diretor Fauzi Arap, diretor da primeira encenação de "O Assalto", tem uma hipótese para seu isolamento. "O reconhecimento excessivo e imediato que ele teve talvez não o tenha ajudado a criar anticorpos para sobreviver ao tempo das vacas magras."
Prêmios
Aos 23 anos, Zé Vicente ganhou o Prêmio Molière de melhor autor de 1969 pelo texto "O Assalto", que fez enorme sucesso no teatro Ipanema, no Rio de Janeiro, com Rubens Corrêa e Ivan de Albuquerque no elenco.
O surpreendente diálogo entre um bancário e um varredor de banco arrebatou público e crítica.
A peça tinha tudo a ver com o momento político da época, em que se multiplicavam os assaltos a bancos por militantes de esquerda. "Marcou uma geração", acrescentou Sábato Magaldi.
Naquele ano, Zé Vicente também conquistou o troféu Golfinho de Ouro do Estado da Guanabara, extinto título dado à personalidade teatral brasileira.
"Alterei-me com tudo aquilo, não tinha experiência. Foi preciso que a vida me ensinasse, e esse foi um processo de muita dor e sofrimento", disse José Vicente.
Em 1972, o dramaturgo conquistou definitivamente um lugar de destaque no meio teatral, com a estréia de "Hoje É Dia de Rock", feita, segundo ele, em homenagem ao pai morto. A obra lhe rendeu outro Prêmio Molière.
Assédio
A fama nunca agradou a esse ex-seminarista do interior de Minas Gerais. "Não gosto do assédio, me sinto constrangido. As pessoas fazendo um trabalho seu, e você lá, presente. Não fico à vontade."
A timidez vem desde os tempos do colégio de padres, que abandonou por "não corresponder mais aos seus anseios".
A troca da batina pela vida artística foi, segundo ele, "uma queda". "Fui de um extremo a outro. Abracei uma vida de aventuras e fui longe demais. Por isso, me afastei do teatro."
No início da década de 80, produziu seis peças, que não chegaram a ter repercussão.
Para marcar a despedida definitiva do teatro, escreveu, em 1984, sua autobiografia, "Os Reis da Terra". Três outros livros inéditos, que estão em posse da editora Scritta, completam a história de sua vida.
"Os quatro volumes são uma espécie de 'Bíblia', vista do meu ponto de vista", afirmou Zé Vicente, que há dez anos largou o catolicismo. "Hoje sou apenas cristão."
No ano passado, sentiu-se com maturidade e inspiração suficientes para escrever uma nova peça. Com o título de "Virtuose", ela conta a trajetória de um autor de teatro, Cézar, que revê sua vida e obra cercado por marginais -veja abaixo trecho da peça inédita.
"Esse texto é a síntese do meu teatro, e o personagem principal tem muito a ver comigo", afirmou.
Em um trecho da peça, escreveu: "Esqueçam meu teatro! A arte não é essencial! Nem os artistas!"
Indagado se essas frases refletem sua opinião, ele respondeu: "Sempre acreditei nisso".

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