São Paulo, sábado, 2 de novembro de 1996
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Um bife, uma catedral

CARLOS HEITOR CONY

Milão - Toda vez que chego à antiga Mediolanum dos romanos penso no absurdo que é a velha capital da Lombardia. Tirante aquela maneira de preparar o bife -que eu aprecio quando bem-feita-, a cidade tem coisas esquisitas que não se deve jogar fora, que permanecem como contradições assumidas não apenas pela tradição local como pela cultura universal.
Seu principal monumento é uma vastíssima catedral que ainda insistem em chamar de gótica, que levou quase 800 anos para ser construída, um paliteiro de mármore que seria execrável não fosse a mão esperta dos italianos que dão o jeito de ser os melhores designers da história. No fundo, como diante da "Nona Sinfonia", nunca sabemos se amamos ou detestamos aquela massa imponente, encimada pela Madonina -essa sim, uma linda boneca de ouro que abençoa a cidade e a redime de alguns de seus crimes.
Outro monumento esquisito é a estação ferroviária que Mussolini mandou erguer para fazer confronto com a catedral. De certa forma, é uma catedral para trens. Está para o regime fascista (1922-1943) como o "duomo" ficou para o resto da cidade.
E tem o esquisitíssimo aeroporto de Linate, campeão absoluto do tempo fechado, recordista mundial em horas em que fica encoberto pela famosa "nebia" que é o terror de pilotos e passageiros. Somando-se a isso, o Cenáculo Vinciano, uma das "Pietás" de Michelangelo, o universo da moda, a sede da Mondadori feita por Oscar Niemeyer (ao lado do Linate) e o Teatro Scala -Milão poderia ser uma São Paulo européia, onde não se deve nem se pode parar.
Stendhal gostava daqui, amou, sofreu e escreveu sobre Milão. Os cardeais milaneses são sempre papáveis, desde Carlos Borromeu, que foi canonizado e repousa na cripta do duomo, até o cardeal atual, que tem nome de vermute (ele se chama Martini) e está cotadíssimo para ser papa, apesar de ser também jesuíta. Milão já foi espanhola e austríaca -isso explica muita coisa.

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