São Paulo, domingo, 3 de novembro de 1996
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Cepal lança almanaque para a região

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Está aberta a temporada de procura por novos modelos de desenvolvimento. Mas nesse período "pós-consenso de Washington" é importante rever e reavaliar os próprios dados. Nem sempre é fácil encontrar dados atualizados sobre vários aspectos da economia latino-americana.
A importância do dado primário organizado e acessível fica ainda mais evidente quando surgem publicações capazes de cumprir essa função, caso do almanaque agora lançado pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) em conjunto com o IBGE e o Conselho Regional de Economia do Rio. A publicação resume dados de trabalhos da Cepal e ajuda a ganhar perspectiva histórica.
Ainda assim é preciso tomar cuidado. O texto diz, por exemplo, que a América Latina e o Caribe encontram-se "a meio caminho entre as regiões mais pobres e as mais desenvolvidas do mundo, em termos econômicos e sociais". Ora, basta examinar os dados apresentados na mesma página (e em outras) para chegar a uma conclusão diferente.
A região tem um PIB per capita de US$ 2.700, comparado com US$ 1.500 para Ásia e África, mas muito mais distantes dos US$ 20 mil dos países desenvolvidos. Estamos, portanto, muito mais próximos dos pobres do que dos ricos. O que mais se ouve, entretanto, é um discurso que fala de "países em desenvolvimento" ou de "entrar o quanto antes para o Primeiro Mundo". Os números mostram que ainda estamos muito longe até do meio do caminho.
Um contra-argumento fácil é sair da média regional e salientar proezas localizadas, como o Chile ou o Brasil (vá lá). Mas, embora seja um recurso válido, o mérito da publicação da Cepal está justamente em tratar a região como tal. Numa economia globalizada onde as plataformas "regionais" (ou o "regionalismo aberto") ganham evidência, a média é realmente o que pode fazer a diferença.
Outros indicadores reforçam a idéia de que estamos longe do meio do caminho. O destaque são os números relativos a ciência e tecnologia (ver tabela). A distância em alguns casos (universitários, gastos do setor privado em pesquisa e desenvolvimento ou proporção de engenheiros e cientistas) é astronômica, no mínimo.
O resultado aparece na especialização tecnológica das exportações, indicador da participação de produtos sofisticados nas vendas externas da região. O indicador melhorou, mas muito menos do que nos tigres asiáticos.
Mais importante até, a Cepal mostra que os tigres mais avançados já estão bem próximos dos países desenvolvidos, enquanto os chamados "tigres asiáticos potenciais" (China, Indonésia, Malásia e Tailândia) estão se aproximando da América Latina e devem ultrapassar a região em breve.
Dados sem modelo
Além dessas comparações com outras regiões, a publicação da Cepal ajuda a entender mais as diferenças e semelhanças internas à região, além de facilitar a visualização de tendências recentes.
Fica evidente que a "década perdida", se já acabou, ainda não deu lugar a um processo sustentado de desenvolvimento. A renda per capita na região ainda não chegou aos níveis de 1980. A melhora é visível apenas em dois indicadores: inflação e déficit público.
Diante desses números, há no mínimo duas atitudes possíveis. A do cético, diante dos longos caminhos a percorrer, é perguntar: e daí? Aonde vamos se a redução da inflação ocorre à custa de juros altos e crescimento baixo e o ajuste fiscal é em grande medida apenas venda de patrimônio público?
Já o otimista diz que estão sendo criadas as condições para que finalmente o crescimento seja relançado. O peso da dívida externa tem caído e os investimentos estrangeiros serão a mola de uma nova fase de desenvolvimento.
Os dados estão disponíveis. Entre outras qualidades, essa publicação ajuda a perceber que, por enquanto, o novo modelo que afinal surgirá ainda não está definido. Na América Latina, pior que estar ainda longe do meio do caminho, é a impressão de que ainda não está claro qual caminho é esse.

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