São Paulo, domingo, 3 de novembro de 1996
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Tribunais de contas e política

LUÍS NASSIF

Cena 1 - Na última sexta-feira, o Tribunal de Contas do Espírito Santo vetou por unanimidade as contas do governador Vitor Buaiz.
Nos últimos tempos, juntamente com seu colega Marcello Alencar, do Rio de Janeiro, Buaiz se convertera em crítico ostensivo dos TCs.
Na introdução do parecer que embasou a condenação, os conselheiros fizeram constar seu desagrado para com as críticas.
A condenação decorreu de uma mudança de critérios de avaliação. A Constituição ordena que se apliquem 25% dos recursos do Estado em educação.
No Espírito Santo, existe um fundo de incentivo fiscal pelo qual empresas beneficiadas recebem empréstimos de um fundo formado pelo ICMS pago por elas. A empresa paga cem de ICMS, o dinheiro é transferido para o fundo e, em seguida, emprestado de novo para a empresa.
Como o dinheiro não fica no Estado, em 25 anos de funcionamento jamais esse dinheiro foi considerado receita disponível do Estado -para efeito de cálculo das vinculações constitucionais e mesmo do percentual destinado aos demais poderes.
Não levando em conta o fundo -como foi feito nos últimos 25 anos- o Estado aplicou 30% em educação. Ao incluir o fundo, o percentual caiu para 23%. E Buaiz foi condenado. Um caso típico de retaliação política.
Cena 2 - O Tribunal de Contas do Paraná dá início a um programa de qualidade, com os funcionários motivados para o trabalho.
Na última reunião do programa, desânimo geral. Corria a informação de que o TC tinha vetado aumento de salários dos funcionários concursados e os conselheiros estavam prestes a apresentar um projeto que aumentava o número de funcionários -e todo o novo contingente seria alocado em cargos de confiança.
Cena 3 - Durante quase um ano, o Tribunal de Contas do Município de São Paulo cozinhou uma licitação para o serviço do lixo, feita na gestão Luiza Erundina. Só liberou -reconhecendo que era juridicamente correta- quando seu governo já havia terminado.
Na semana passada, em tempo recorde, opinou a favor da operação de vendas de títulos municipais feita na gestão Celso Pitta, mesmo sem dispor do relatório do Banco Central -cujas investigações ainda não foram concluídas (mas que também foram utilizadas politicamente por adversários de Maluf).
Cena 4 - Poupado pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo durante quase todo o seu governo, a ponto de indicar conselheiros para altos cargos públicos, assim que rompeu com seu padrinho Orestes Quércia, o ex-governador Luiz Antonio Fleury Filho passou a ter seus atos contestados por conselheiros indicados na gestão do desafeto. E a ter seus atos defendidos por conselheiros indicados na sua gestão.
Reforma
Algo terá que ser feito com o modelo atual dos tribunais de contas. Se, em muitos casos, há funcionários dedicados e conselheiros que assumem suas responsabilidades, no plano técnico sua fiscalização limita-se a aspectos formais de contratos.
O sistema de indicações políticas desvirtuou a composição das bancadas. Muitos conselheiros foram indicados apenas para atuar como barreira contra eventuais pressões sobre o padrinho.
O nepotismo é uma constante. Sua prática ou não depende da consciência individual dos conselheiros. E a utilização política do órgão é frequente, culminando com esse episódio vergonhoso do Espírito Santo.
Que o episódio sirva para deflagrar a grande discussão sobre a função dos TCs.

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