São Paulo, terça-feira, 5 de novembro de 1996
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Voluntariado, uma opção consciente

MILÚ VILLELA

Elas existem nos mais diferentes contextos nacionais, espalhadas pelos quatro cantos do planeta. Atuam nos campos de arte e cultura, educação, recreação, saúde, assistência social, defesa de direitos humanos, desenvolvimento comunitário, fortalecimento de organizações de base etc. São compostas por pessoas com trajetórias, valores e formações as mais diversificadas. Constituem mercado de trabalho e terreno de ação voluntária. São as chamadas "organizações sem fins lucrativos".
Essas organizações mobilizam grande quantidade de recursos materiais, de origens diversas, e são pequenas, na grande maioria. De natureza privada, não são empresas: atuam em benefício público sem serem órgãos do governo. Entretanto, diante das transformações do mundo atual, vêm ganhando campo de discussão cada vez maior, a ponto de serem classificadas como o Terceiro Setor, ou seja, um conjunto diversificado de iniciativas privadas que se reconheça como setor voluntário.
É difícil pensar esse Terceiro Setor no Brasil sem passar por igrejas e grupos religiosos, que aí representaram sempre um papel de peso.
Ao contrário da sociedade norte-americana, onde o voluntariado e a filantropia fazem parte de uma cultura política, a sociedade brasileira, historicamente, conheceu as atividades filantrópicas como atividades da igreja, por meio do papel de órgão público na organização da sociedade civil. As organizações encarregadas de assistência social, ensino e saúde eram promoções da igreja, haja vista as inúmeras irmandades de misericórdia espalhadas por todo o país, exemplo típico das entidades sem fins lucrativos na área da saúde.
Paralelamente, encontramos as várias listas dos "beneméritos", pessoas de poder econômico e social, geradoras do conceito de "filantropia senhorial" presente até hoje. Ainda se mantém o "ranço" conceitual do voluntariado baseado em tempo ocioso e falta de opção de trabalho, como alternativa ocupacional de uma classe de maior status social e direcionada a uma faixa etária mais avançada.
Dessa forma, a tradição de "generosidade" ou de "solidariedade", baseada em valores da caridade cristã, em nossa sociedade não se traduz necessariamente no tipo de solidariedade igualitária exigida pela ação política moderna.
O trabalho voluntário deve ser revisto diante da crise social atual, cuja violência o Estado parece ter cada vez menos condições de controlar, associada à crise de valores gerada pelas transformações mundiais recentes.
Nos últimos anos, o voluntariado tem se mostrado mais interessado no envolvimento nessas causas, criando-se aberturas para novos discursos acerca do setor voluntário ou da filantropia.
O 3º Encontro Ibero-Americano do Terceiro Setor, realizado pelo Gife em setembro no Rio de Janeiro, com a participação de mais de 20 países e suas mais destacadas instituições, demonstrou o profissionalismo efetivado na conscientização e mobilização da sociedade civil, no sentido de assumirmos nossa parte de responsabilidade na promoção do bem-estar social.
Temos que reverter a imagem pejorativa diante dessas iniciativas. O trabalho voluntário só conseguirá atingir seus objetivos inerentes ao fortalecimento da cidadania participativa por meio da sua profissionalização.
Há que incentivar cada vez mais a população jovem de São Paulo a se engajar nesse trabalho, e, nessa proposta, as universidades também deverão cumprir sua parcela de esclarecimento, incluindo em seus currículos cadeiras dedicadas à aplicação da opção profissional do estudante em ações assistenciais. A Fundação Getúlio Vargas possui um núcleo de pesquisa voltado exclusivamente ao desenvolvimento do Terceiro Setor.
Somente o comprometimento com o trabalho de uma organização sem fins lucrativos, dentro de uma área de maior afinidade e nos limites disponíveis de dedicação, possibilitará ao voluntário rever seus conceitos de cidadania e se sentir parte responsável de uma sociedade melhor e mais justa.
Possuímos vários exemplos de entidades e ações que obtiveram merecido reconhecimento social, como a Campanha Nacional de Combate à Fome e à Miséria, levada com coragem e competência pela figura imbatível de Herbert de Souza, o Betinho, e, entre muitas outras, os hospitais Albert Einstein e Sírio Libanês, Instituto Dona Ana Rosa, Obra do Berço, Despertar, Ceaf e as Associações de Amigos de Museus, principalmente o Museu de Arte Moderna de São Paulo e o SOS Mata Atlântica, na área ecológica.
Colocar essas discussões, que estão na base de pesquisas desenvolvidas em nível internacional, mobilizando e relacionando o campo acadêmico e as próprias instituições e entidades sem fins lucrativos, é decididamente uma questão importante neste final de século.
No momento mundial de globalização, o desenvolvimento do Terceiro Setor pode ser uma alternativa eficaz para a resolução dos problemas culturais e sociais dos países do Terceiro Mundo. Essa força motriz, multiplicada como elos de uma grande corrente, pode tentar recuperar muito tempo perdido.

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