São Paulo, terça-feira, 5 de novembro de 1996
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Zero para o provão

ORLANDO SILVA JÚNIOR; EDER ROBERTO SILVA

O provão não prova nada: a resposta dos estudantes virá no dia 10/11, entregando a prova em branco
ORLANDO SILVA JÚNIOR
EDER ROBERTO SILVA
O ministro da Educação se esforça para convencer de que o provão é fundamental para a melhoria da qualidade do ensino superior. Para isso, vem ocupando generosos espaços na mídia e fazendo milionária campanha publicitária, ensinando como gastar mal o dinheiro que deveria ser investido na educação pública.
Os reitores, por meio de suas entidades representativas, se pronunciaram contra a avaliação do ministro. Até porque a maioria das universidades públicas já tem sua própria avaliação. Também são contrários quase todos os conselhos profissionais e sociedades científicas, professores, funcionários das universidades e, claro, os estudantes, dos quais 80% votaram contra a prova no plebiscito nacional que a UNE realizou. Todos concordam que é necessário avaliar o ensino, mas com critérios abrangentes, participativos e não punitivos.
Nesta Folha, o "bem-intencionado" ministro Paulo Renato tentou defender o indefensável, levantando dez questões sobre o provão. A UNE, que está liderando a campanha "Dê ao provão a nota que ele merece", tem dez (bons) motivos para que os formandos de direito, engenharia civil e administração entreguem a prova em branco.
1) O provão é autoritário: foi instituído por medida provisória, sem ouvir a opinião da comunidade acadêmica. A MP foi transformada em lei numa sessão tumultuada do Congresso Nacional que nem sequer teve quórum.
2) O provão é incompetente: provas de questões objetivas são cada vez mais substituídas por outros métodos de avaliação que não a pura memorização das aulas.
3) O provão é superado: alguns países já utilizaram essa forma de avaliação e já a descartaram. Disse o presidente da Universidade de Harvard, Derek Bok: "Nenhum teste padronizado até agora concebido pode fazer justiça às muitas finalidades da educação preparatória ou mesmo proporcionar uma aferição mais confiável de seus objetivos mais importantes. (...) No final, portanto, uma forte ênfase em testes uniformes ameaça trivializar o ensino preparatório e privá-lo de diversidade, ao orientar a instrução um tanto exageradamente na direção de um meio simples e imperfeito de aferição. Tal política não há como interessar ao corpo docente nem muito menos aos estudantes mais capazes, por não encorajar um esforço de base amplo para realçar a qualidade da educação".
4) O provão é ineficaz: uma prova avaliando cinco ou seis anos de formação agride qualquer idéia lógica. É preciso avaliar ensino, pesquisa, extensão, instalações, equipamentos e qualificação docente, entre outros aspectos.
5) O provão disfarça a má qualidade do ensino: os supermercados de diplomas estão rindo à-toa, porque o provão vai definir o programa a ser ministrado nas salas de aula, propiciando que alguns cursos sejam apenas pré-provão e finjam ter alguma qualidade.
6) O provão exclui o formando do mercado de trabalho: a nota obtida no exame, que não corresponde necessariamente à qualificação do novo profissional, vai discriminar os recém-formados. Nada impede que o mercado comece a exigir a nota do formando, o que já está sendo anunciado por grandes empresas, como a Johnson & Johnson.
7) O provão fará ranking das faculdades: o MEC quer concorrer com a revista "Playboy" na elaboração do ranking dos melhores cursos. O ranking é uma desculpa para cortar verbas das universidades públicas, com alegação de pouco rendimento e incompetência.
8) O provão é fora-da-lei: o artigo 207 da Constituição prevê a autonomia das universidades, e o provão fere esse preceito constitucional ao submeter a graduação à realização da prova. Se uma instituição não tiver autonomia para avaliar seus alunos, terá autonomia para quê?
9) O provão é imoral: permitir que instituições privadas, de histórico duvidoso, apliquem e avaliem as provas no mínimo fere a moralidade administrativa. Além disso, subestima instituições de reconhecida capacitação, que passarão o vexame de ser avaliadas exclusivamente por órgãos que nem atuam mais nos vestibulares.
10) O provão não prova nada: a resposta dos estudantes virá no dia 10 de novembro, entregando a prova em branco. Queremos avaliação de verdade e daremos nota zero para a política das boas intenções do MEC.

Orlando Silva Júnior, 25, é presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE).
Eder Roberto Silva, 25, é presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE) de São Paulo.

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