São Paulo, quarta-feira, 6 de novembro de 1996
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Público europeu faz balé apocalíptico

FÁBIO MASSARI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Roskilde Festival, Roskilde, Dinamarca, junho de 1996.
Cena 1: Estamos no gigante e folclórico camping local à cata de depoimentos. Ao sermos descobertos como equipe brasileira, somos brindados com os nomes dos integrantes do Sepultura -com direito a esforço para a boa pronúncia-, recitados em cantoria celebratória. Levantam a camiseta e, na pele, a bênção carnal de uma relação bem especial: o "S" de Sepultura tatuado no corpo. Como me diz o baterista Igor Cavalera depois, esses "são os que têm o Sepultura no sangue". São muitos.
Cenas 2: Um dos mais emblemáticos grupos do chamado rock "alternativo" americano, o Sebadoh, chega para a entrevista uniformizado: todo mundo de avental branco. Mas o baixista e vocalista Jason Loewenstein vem com o seu aberto, exibindo orgulhoso sua camiseta do Sepultura. A informação nos bastidores era a de que o Sebadoh dava entrevistas, fazia qualquer coisa, contanto que não fosse na hora do show do Sepultura.
Cena 3: O carismático líder do Flaming Lips, Wayne Coyne, abre seu mapa-roteiro do festival e passa a comentar os shows assistidos. Ao ser perguntado sobre o Sepultura, sorri: "Eu vi o Sepultura (grunhido com sorriso)".
Cena 4: A "instituição metal" Slayer, que tocou antes do Sepultura, assiste à apresentação dos brasileiros do canto do palco. Duas músicas são suficientes para fazer com que desçam resmungando, com a mão no bolso...
Esses são alguns retratos da passagem do Sepultura pelo maior festival europeu (talvez do planeta) do momento, o Roskilde.
O Sepultura tocou no segundo dos quatro dias, às 4 e meia da tarde. Era apenas a segunda banda do palco principal, numa noite que era fechada por Sex Pistols e que tinha ainda Bjork e Cypress Hill. Mas no Roskilde 96, essas "credenciais" não responderam diretamente pela medição de status da banda com quem interessa, o público. "O bicho pegou."
A fumaça do palco se abraçava com a terra pisoteada por 20 e tantos mil guerreiros, que agitavam suas bandeiras (muitas do Brasil) num verdadeiro balé apocalíptico, entoando motes religiosos em um delírio pós-metálico: "War for territory", "Refuse resist", "Roots bloody roots", "Vâmo detoná essa porra", até Chico Science entrou na dança.
A experiência do Sepultura ao vivo é imbatível. Os ditames do agonizante "metal" são pilados no caldeirão da banda, e em contato com as alucinógenas raízes percussivas, criam uma poção poderosa capaz de converter os infiéis.
O ataque é avassalador: enquanto Andreas e Paulo guardam os flancos, Max se entrega à pregação gutural, pulando em círculos no palco. E o baterista Igor é o motor bestial que propulsiona organicamente a banda.

O jornalista Fábio Massari, 32, é VJ da MTV e cobriu para a emissora o show do Sepultura no festival de Roskilde, na Dinamarca

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