São Paulo, quarta-feira, 6 de novembro de 1996
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Memórias do cárcere

GILBERTO DIMENSTEIN

Criada para recuperar crianças e adolescentes, uma prisão juvenil americana gasta por cabeça US$ 8.000 mensais, pouco menos do que o salário do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Desprovido dos mesmos serviços, um preso comum sai mais barato: US$ 2.000, quase o salário médio de um professor universitário brasileiro.
Daí se vê o custo de se manter um recorde mundial -um recorde que não pára de crescer. Nenhum país tem tanta gente enjaulada, com 1,7 milhão de presos, revelando o paradoxo americano, com lições valiosas para o Brasil.
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Apesar das denúncias (das mais variadas modalidades), suficientes para abalar até um candidato latino-americano, Bill Clinton conseguiu manter folgada liderança desde o início da campanha.
A explicação está na onda de prosperidade, com a economia gerando empregos, sem afetar os preços. Quem vê a taxa de desemprego se impressiona -apenas 5%. A renda média de uma família aqui é de US$ 3.000. Por que, então, tanta gente na cadeia?
A resposta dá a medida do desafio brasileiro, visível nos Estados Unidos.
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O impacto tecnológico combinado com a globalização tritura empregos numa velocidade devastadora; outros empregos, entretanto, são criados. Mas essa transfusão é caótica, vai deixando mortos e feridos no caminho, incapazes de se reciclar. Os excluídos entram no círculo vicioso da miséria e só conseguem sobreviver com assistência social, tráfico de drogas, esmolas ou vivendo à custa do contribuinte numa jaula.
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O sistema educacional não está apto para tamanha massa de reciclagem. Resultado: em muitos bairros, 80% dos jovens estão desempregados e acabam perdendo qualquer ligação -inclusive com o voto. Basta lembrar que, aqui, de cada três negros, um já passou pela prisão.
Nos EUA, pelo voto não ser obrigatório, a taxa de abstenção é mais alta entre jovens, negros, desempregados.
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O que os americanos estão tentando descobrir na prática é decisivo para o bem-estar numa sociedade: até que ponto a exclusão social não é efeito colateral e passageiro do impacto tecnológico em uma economia globalizada. Mas convivência obrigatória e inescapável, num equilíbrio salvo pelas grades.
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Curioso um brasileiro assistir uma eleição americana, especialmente depois dos turbilhões dos últimos dez anos. É semelhante a comparar o furor juvenil com o sexo na terceira idade. Só sentimos na rua que estamos numa eleição quando passamos em frente à banca de jornal.
Para quem saiu do Brasil, de Tancredo a Fernando Henrique, passando por Collor, Itamar e Sarney, é como deixar o furor juvenil e assistir cena de sexo na terceira idade.

E-mail gdimen@gnn.com.
Fax (001-212) 873-1045

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