São Paulo, sexta-feira, 8 de novembro de 1996
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O mundo estetizado

MARCO AURÉLIO WERLE

o pensamento de Vattimo se caracteriza pela ligação com as filosofias de Nietzsche e Heidegger e pelo ensaísmo de tradição hermenêutica preocupado em pensar as condições de existência no mundo pós-moderno. Este livro de 1985 é o primeiro traduzido entre nós, e se situa no momento em que Vattimo passa a ser não somente comentador de Nietzsche e Heidegger -atividade que exerceu nos anos 60 e 70-, mas também, com a ajuda dos dois pensadores, crítico dos fenômenos culturais de nossa época.
A tese central do livro consiste na idéia de que a pós-modernidade expressa nosso mundo dominado pelos meios de comunicação e de que a técnica que nele impera permite pensá-lo a partir de outras alternativas, que não as modernas. Ou seja, a pós-modernidade não seria nenhuma moda ou mera superação "crítica" da modernidade, nem degeneração, mas algo que subverte todas as categorias modernas de novidade, de progresso, de racionalidade etc.
Desse modo, situada no fim de uma era, ela representaria um primeiro lampejo da nova forma de pensar, apontando para uma solução da "crise do humanismo" de nosso tempo, na medida em que a levaria às últimas consequências.
O que para o autor privilegiadamente marca a pós-modernidade é o seu aspecto estético. Isso implica dizer que o paradigma de vida hoje vigente não é ditado pelas ciências. Na verdade, o modelo "estético" de pensamento alojou-se no meio científico, a partir do momento em que Thomas Kuhn mostrou a falta de lógica no progresso das ciências, no sentido de que as grandes descobertas dependem menos da exatidão que de certas "intuições".
Por outro lado, a estetização de nosso mundo não demanda nenhuma forma de sacralização da arte e do discurso sobre ela, pois isso seria perpetuar a adoração que a modernidade presta ao objeto artístico. Pelo contrário, o que se dá é um acentuamento do aspecto efêmero, transitório e marginal de toda produção artística, o que o autor identifica através do termo "ornamento-monumento". Hoje, quando a arte se tornou artigo de consumo e a questão da "autenticidade artística" fica em segundo plano, não é mais uma propriedade fundamental que está em causa. O que se afirma é a eventualidade de um pano de fundo ornamental, para o qual não se presta atenção. O dado surpreendente é que essa arte pós-moderna "neoclássica" (o abstracionismo, por exemplo) indica exatamente uma saída produtiva para o aspecto obsoleto dos padrões modernos, uma vez que rompe com a mentalidade da abrangência total e irrestrita neles arraigados, a idéia de que a arte tem uma "aura" a ser conservada. Neste sentido, o que à primeira vista parece ser um abandono de qualquer sentido superior é, porém, reconhecimento de vínculo. O fato de não se querer mais "captar e dominar" o que é essencial não significa que se o ignore, pois justamente o passar ao largo dele, transformando-o em ornamento, é a melhor maneira de resguardá-lo ou, pelo menos, de chamar a atenção para o seu distanciamento de nós.
Na capacidade de encarar a pós-modernidade a partir de uma visão destituída de nostalgia e de qualquer "telos" inovador concentra-se o mérito desse livro. Vattimo tem consciência da dificuldade de sair da modernidade pelas categorias de pensamento das quais dispomos. Por isso, evita qualquer oposição entre o novo e o antigo, tendendo sempre a enfrentar os problemas a partir de uma perspectiva mais ampla e radical. A leitura de Heidegger forneceu-lhe o repertório básico para o discurso sobre o começo de um outro pensamento, enquanto que a leitura de Nietzsche chamou sua atenção para o caráter precário que acompanha toda tentativa de fundamentação.
No entanto, é justamente no uso que faz destes dois filósofos que Vattimo está sujeito às maiores críticas. Os resultados frutíferos que colhe ao situar Nietzsche a partir de Heidegger e de conduzir este na direção de um niilismo, rendem pouca coisa quando se trata de compreender estas duas filosofias. A ênfase na questão do niilismo, que permite a Vattimo aproximar Heidegger da pós-modernidade, obscurece as inúmeras advertências que este fez quanto à possibilidade intrínseca de um novo pensar. Para Heidegger, a mídia não constitui o pensamento não-moderno. Para ele, é a palavra dos poetas fundadores que nos convoca, de modo mais íntimo, para assumir nosso destino.

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