São Paulo, sexta-feira, 8 de novembro de 1996
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Uma nova geografia ?

MARIA ADÉLIA APARECIDA DE SOUZA

inútil frisar aqui a importância do aparecimento desta obra e tampouco ressaltar a qualidade e o rigor acadêmico e científico dos autores. Ela revela uma das polêmicas mais candentes da epistemologia da geografia hoje e que é uma questão aberta para o desenvolvimento da nossa disciplina. Trata-se da construção de uma epistemologia da geografia, a partir dos seus próprios conceitos de espaço geográfico, de totalidade, de território, de lugar, de região, entre outros.
Além disso, é preciso contextualizar a geografia do mundo contemporâneo, ajustando e "aggiornando" a teoria e os conceitos ao mundo. Este é o outro enorme desafio para a construção de uma geografia do Brasil.
A geografia hoje precisa aprofundar uma distinção que, no passado, com outras características, não se demonstrava tão urgente. As disciplinas caminhavam tranquilamente, sem a intervenção tão forte e rápida da ciência, da técnica e da informação. Os métodos não eram testados pela rapidez da tecnologia. Os cientistas viviam o melhor dos mundos. Os geógrafos misturavam a abordagem dos problemas brasileiros como se estivessem elaborando a geografia do Brasil.
No entanto, este período técnico, científico e informacional implicou numa "aceleração contemporânea" cuja explicação exige um rigor teórico e conceitual mais ajustado às características desse mundo novo, "esse conjunto de possibilidades" que se tornam mais complexas e numerosas.
Nesta "Geografia do Brasil", este dilema da geografia está muito bem explicitado. Para alguns dos autores, que elaboram a geografia a partir da terra e da natureza, a perspectiva é distinta daqueles que cuidam mais especificamente da geografia humana, da geografia propriamente dita.
Há problemas que poderiam ter sido elaborados pelos autores e que dariam à obra um fundamento teórico mais avançado. Refiro-me à questão -crucial para quem lida com a geografia, que cuida de uma totalidade-, do espaço geográfico e do tempo: a abordagem dos elementos e significados da denominada geografia física se dá num tempo longo, enquanto que os processos antrópicos lidam com o tempo curto. Mas tempo longo e tempo curto, ou tempo histórico, não estão dissociados, pois a relação espaço/tempo revela uma totalidade. Tal abordagem enfrentaria de maneira mais eficiente a compreensão dos processos que nessa obra são denominados de sociedade e natureza ou da natureza à sociedade.
Neste fim de século, diante das possibilidades de conhecimento dos processos que estão relacionados ao planeta Terra, pensar em termos dessa dissociação homem/natureza, natureza/sociedade ou da natureza à sociedade, merece uma discussão aprofundada.
A compreensão desta contemporaneidade, erroneamente caracterizada como envolvida pela globalização, exige que se pense sobre as características atuais da história da humanidade e do planeta e que se assuma a totalidade como um atributo indispensável dessa compreensão.
Está claro, pelo enunciado desta obra, que ela constitui um conjunto de textos de apoio para o ensino da geografia do Brasil, no segundo grau. Neste sentido, cada texto fornece elementos para que este objetivo seja plenamente cumprido.
Os textos de geografia devem ser motivo permanente para a construção e renovação da nossa disciplina, numa perspectiva plural, reveladora de diferentes visões de mundo. Mas isto deve ser feito sobre conceitos emanados da própria disciplina e que revelem as concepções que os geógrafos têm do mundo, a partir da geografia.
Desse modo aprofundaremos a distinção da geografia como texto competente e rigoroso do mundo, diferenciando-se daqueles textos informativos, de competência mais dos jornalistas do que dos geógrafos.
Creio que, nessa perspectiva, os textos incluídos neste livro, carecem de mais atualidade. Os processos do mundo hoje mudam com uma rapidez fantástica. Alguns dos temas aqui tratados são reveladores de processos que se alteraram dia-a-dia. Provavelmente as dificuldades e a demora na produção editorial desatualizaram a bibliografia utilizada que, especialmente nos textos sobre geografia humana, prejudicou a obra. Daí a necessidade de rigor no método, pois é a ajustada teoria que garante a atualidade das interpretações na realidade.
Apenas para exemplificar, julgo ser hoje inadmissível analisar os problemas do campo e da cidade sem essa visão de totalidade, pois a ciência, a tecnologia e a informação revolucionaram a idéia de dissociação entre mundo rural e mundo urbano, que tínhamos até bem pouco tempo; em relação à urbanização brasileira e aos estudos da metropolização, parece-me também inadmissível examiná-los sem abordar o problema da verticalização nas cidades, pois esse processo, além de ser uma das formas mais evidentes das geografias metropolitanas brasileiras, é revelador de uma estratégia capitalista apenas possível nestes tempos em que a tecnologia permite a criação de processos de produção, gestão e consumo inusitados e acelerados.

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