São Paulo, sexta-feira, 8 de novembro de 1996
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Quadro de impasses

TULLO VIGEVANI

a leitura do número junho-agosto/1996 da revista "Política Externa" leva a uma dupla sensação. Por um lado, satisfação pela existência, no Brasil, de uma revista especializada em relações internacionais, de boa qualidade. (Há outras, como a "Revista Brasileira de Política Internacional", de Brasília, e "Contexto Internacional", do Rio de Janeiro, cada uma com suas especificidades). Por outro lado, a leitura sugere um quadro global de impasses, particularmente para o Brasil, do qual não é fácil desvencilhar-se.
Este número da revista, assim como outros anteriores, compõe-se, principalmente, de dois tipos de artigos: os que visam refletir sobre grandes questões, um pouco ao estilo de "Foreign Affairs", e os que resultam de pesquisas específicas, ainda que amplas, ou de experiências.
Questões visuais
Na primeira categoria encontramos os artigos de José A. Guilhon de Albuquerque, sobre as relações entre Brasil e Estados Unidos, de Luiz A. Souto Maior e de Paulo G. Fagundes Vizentini, sobre a União Européia, de Arthur V. Correa Meyer, sobre a Ásia-Pacífico, assim como a resenha de Celso Lafer de "Visões no Brasil", de Rubens Ricupero.
Na segunda categoria, os artigos de Fernando P. de Mello Barreto Filho, sobre as novas regras internacionais para investimentos, e de Vera Thorstensen, sobre as relações entre a União Européia e o Mercosul.
Falamos em dupla sensação porque, embora com heterogeneidade de perspectivas, própria de uma revista acadêmica, reflete-se nela a existência, no Brasil, de uma massa crítica com opiniões fundamentadas sobre questões vitais. Algumas são de interesse direto para a formulação de política exterior. Outras possuem significados globais, sendo, portanto, necessárias para qualquer sociedade nacional que queira inserir-se num mundo de contínuas e profundas transformações, que coloca a todo momento desafios e reiteradas dificuldades.
Ao mesmo tempo, a leitura dos artigos sinaliza angústias frente às quais nenhum trabalho competente pode oferecer respostas definitivas. Se existe um eixo condutor deste número de "Política Externa", este encontrar-se-ia na tentativa de discutir a posição brasileira frente aos grandes blocos existentes: América, Europa, a própria Ásia.
Guilhon de Albuquerque sinaliza que uma das dificuldades no relacionamento com os Estados Unidos seria a reiterada tentativa brasileira de esvaziar da agenda os "temas que repercutem diretamente em suas relações bilaterais", com isto postergando o debate sobre a integração continental. Nisto coincide com um recente trabalho de Stephan Haggard ("The Political Economy of Regionalism in the Western Hemisphere", University of California, Research Paper).
Este afirma que qualquer avanço em direção a uma Zona de Livre Comércio Hemisférica passa por acertos estratégicos entre os dois países. Na revista, esta linha é matizada pela discussão da importância da União Européia na economia mundial, assim como da região Ásia-Pacífico. Apesar das dificuldades econômicas e sobretudo políticas na Europa, bem sublinhadas por Souto Maior e Vizentini, se houver possibilidade de um encaminhamento equilibrado das negociações para uma área de livre comércio entre a União Européia e o Mercosul, haveria espaço para o aumento do comércio e para a sua diversificação, favorecendo exportações de maior valor agregado, muito restritas atualmente. Thorstensen mostra que o comércio com os Estados Unidos beneficia mais os produtos industriais do Mercosul em razão das estratégias empresariais que favorecem os acordos intrafirmas. Portanto, escolhas políticas, tanto na União Européia quanto no Mercosul, deveriam ganhar força, de forma a permitir um relacionamento mais equitativo.
Mesmo com o aparente crescimento das forças cooperativas no sistema internacional, as oportunidades distribuem-se de forma persistentemente assimétrica, de modo que, se não se tomar decisões estratégicas corretas, há o risco de perda irreparável. Neste sentido, é oportuna a afirmação de Correa Meyer a respeito da "mixed strategy" dos NICs e dos países da ASEAN. Muito depende da coordenação das políticas nacionais, que certamente não podem desconhecer os constrangimentos de novos regimes internacionais, como o do comércio. Porém, o esforço nacional em termos de aumento da poupança interna, de educação, de diminuição das desigualdades, continua sendo condição necessária para o aproveitamento de oportunidades.
Registre-se a existência na revista de uma seção de pesquisa, que ajuda aos que se debruçam no campo das relações internacionais. Alguns aspectos formais poderiam ser melhorados, de forma a facilitar a leitura dos não-especialistas. Por exemplo, os artigos com muitas tabelas poderiam ser editados de forma a alocá-las em anexos.
A dupla sensação permanece. Contribuição significativa ao debate, adensando a massa crítica para um melhor equacionamento de possibilidades. Dificuldades de posicionamento num mundo em que o "mix otimal" é de difícil identificação.

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