São Paulo, sexta-feira, 8 de novembro de 1996
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Liv Ullmann conta sua história de amor

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A atriz e cineasta norueguesa Liv Ullmann apresentou ontem à noite no Espaço Unibanco de Cinema seu segundo filme como diretora,"Kristin - Amor e Perdição".
A sessão foi uma pré-abertura do ciclo de cinema norueguês que exibirá 13 filmes entre 15 e 21 de novembro na sala Cinemateca.
Nascida no Japão há 57 anos, de pais noruegueses, Ullmann estrelou mais de 60 filmes, entre eles 11 dirigidos por seu ex-marido Ingmar Bergman.
A atriz acaba de rodar na Suécia seu terceiro longa, "Confissões Íntimas", com roteiro de Bergman. "Foi um presente de amor que ele me deu", diz a atriz, que tem uma filha com o diretor sueco e um neto de seis anos.
"Kristin" é baseado numa trilogia da escritora norueguesa Sigrid Underset, que ganhou o prêmio Nobel de literatura em 1928.
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Folha - "Kristin" é baseado em romance de Sigrid Underset. O que a levou a essa história?
Liv Ullmann - É um romance que li várias vezes ao longo da minha vida. É talvez a maior história de amor já escrita. Até a mulher que escreveu "...E o Vento Levou" confessou ter-se inspirado nesse livro e até roubado seus personagens, embora tenha reescrito a história. Muitas das coisas que Underset escreveu no livro têm a ver com minha vida também: a paixão por Deus, sobretudo.
Eu perdi meu pai quando era muito criança e sinto que a paixão por Deus tem a ver com o amor por esse pai que eu mal conheci.
Folha - Como seu primeiro filme, "Sofie", "Kristin" conta a história de uma mulher e seu amor infeliz. Por que você escolheu esse tema?
Ullmann - De certo modo, ambas as histórias é que me escolheram, vieram a mim. Não as procurei. Em "Sofie" eu fui chamada para escrever o roteiro, que seria filmado por outro cineasta. Quando estava pronto, os produtores disseram: "Você tem que dirigi-lo, porque captou tão bem o espírito do livro".
Quanto a "Kristin", eu resolvi fazê-lo porque era uma oportunidade de filmar em meu país, a Noruega, já que "Sofie" foi feito na Dinamarca. Fiquei 26 anos sem trabalhar num filme na Noruega.
Folha - Pode falar um pouco sobre o filme que acabou de rodar, com roteiro de Bergman?
Ullmann - "Confissões Íntimas" é uma história muito intensa, ambientada em 1935, e muito diferente do que Bergman fez até agora. Ele me deu o roteiro porque achou que deveria ser dirigido por uma mulher e me disse: "Você encontrou o seu lugar, você é uma diretora de cinema".
Fiquei muito feliz, porque de certo modo a cada dez anos eu inicio uma nova vocação: eu era só atriz, depois comecei a escrever livros, agora sou diretora. Isso é bom para contestar a afirmação de que depois dos 50 a vida acaba.
Estou chegando aos 60 e ainda não sei qual vai ser minha próxima vocação.
Folha - A religião desempenha um papel importante em "Kristin". Você teve uma formação protestante? Que influência teve isso em seu trabalho?
Ullmann - Sim, tive uma formação luterana. De certo modo, ela só influencia meu trabalho na medida em que foi superada, porque muitas vezes os pastores luteranos nos trazem muita culpa, muitas coisas contra as quais devemos lutar. Para mim, Deus é algo muito distante das pessoas que falam em nome dele.
Deus tem a ver com amor, com o fato de que não somos estranhos uns aos outros. A lição de Jesus, de Maomé, ou Buda, ou sei lá quem, é a de que qualquer um de nós pode espalhar uma mensagem de amor.
Folha - "Kristin" começa como um conto de fadas medieval e vai se tornando um drama psicológico "realista". Isso tem a ver com o fato de tratar de uma época em que o cristianismo começava a triunfar sobre as forças pagãs?
Ullmann - Sim. A Noruega demorou muito tempo para ser cristianizada. Mas antes do cristianismo não era um tempo de barbárie, era um tempo em que as pessoas acreditavam em alguma divindade, mas sem explicá-la racionalmente. Acreditavam também nas forças que nos cercam, na natureza, nas montanhas, nas árvores.
É por isso que eu acho que "Kristin" tem muito a ver com a América Latina, porque aqui vocês têm uma cultura aberta a essas lendas e manifestações mágicas.
Folha - Você não atua nos filmes que dirige. Considera incompatíveis as duas coisas?
Ullmann - Totalmente. Adoro sentar atrás da câmera e nutrir com minha visão os atores, fotógrafos, cenógrafos, escolher o enquadramento certo. Como poderia fazer isso atuando? Atuar requer outro tipo de concentração.
Além disso, eu tenderia a dar uma atenção especial a mim. Sei até qual o meu perfil que fotografa melhor, e isso ia interferir na direção. Barbra Streisand, por exemplo, é uma diretora ótima, mas não consegue deixar de mostrar suas belas pernas em seus filmes. Isso é natural, mas prejudica o trabalho.
Folha - Em que medida sua experiência como atriz ajudou-a no trabalho de diretora?
Ullmann - Nunca frequentei escola de cinema, mas aprendi muito em 40 anos como atriz. Eu sei, por exemplo, o que não se deve fazer a um ator, sei como não matar sua fantasia. E os atores confiam em mim porque falo com eles na mesma linguagem.
Folha - A psicanálise tem alguma influência sobre seu trabalho?
Ullmann - Nunca fui a um psicanalista, mas li muito Jung e aprendi a pensar no que está por trás dos discursos e dos gestos das pessoas. Nós desenvolvemos esse tipo de exercício no teatro.
Os atores de teatro tendem a compreender melhor essas coisas. No cinema, muitos -como os que vêm do Actor's Studio- se prendem a técnicas vazias e tentam ser tão "naturais" como ninguém é, nem na vida real.
Folha - Quais foram as coisas mais importantes que você aprendeu com Bergman?
Ullmann - Aprendi que o diretor não deve colocar a si mesmo no interior dos atores, mas deixar que eles se revelem. E aprendi com seu extremo profissionalismo.
Folha - E o que você acredita ter ensinado a ele?
Ullmann - Acho que nossa convivência ajudou-o a ter uma visão mais complexa da mulher. "Cenas de um Casamento", por exemplo, ele não teria feito sem me conhecer. Não que ele tenha me retratado ali, mas acho que mostrei a ele como poderia ser aquela mulher.
Folha - E que aspectos do trabalho de Bergman você tem de esquecer para poder filmar?
Ullmann - Acho que eu nunca faria filmes com seus temas, porque são temas depressivos, cheios de culpa e pecado. Acho que devemos fazer filmes com esperança.

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