São Paulo, sexta-feira, 8 de novembro de 1996
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A lei de Chico de Brito

JOSÉ SARNEY

Numa pesquisa realizada em toda a América Latina, o nosso Brasil aparece como o país onde 50% da população não apóia o regime democrático, considerando-o ruim, sem simpatia por ele, que é anárquico, barulhento e difícil.
A média do continente que prefere um governo autoritário é de 27%. Esse estado de espírito não é nada animador.
O presidente Fujimori, defensor da reeleição eterna, deve estar satisfeito, já que ele é o grande defensor daquilo que no Nordeste se chama a "lei de Chico de Brito": "Quem come do meu pirão, prova do meu cinturão".
O personagem se perdeu na história, mas ficou a lenda de que para ele todas as soluções estavam no relho e no tronco. O violento senador Silvestre Péricles dizia, no tempo dos militares, aos seus colegas de Casa, concitando-os a não faltarem às sessões para votar as leis pedidas pelo governo: "Se não tiver o quórum, tem o couro..."
Vejo que essas pesquisas mostram muita gente na linha de Chico de Brito. É bom recordar aquela expressão (de Churchill) que passou a ser lugar-comum, "a democracia é o pior regime, mas não há outro melhor".
Na eleição americana, Clinton sai vitorioso, mas o Congresso fica na mão dos republicanos, contra Clinton, no exercício tão ao gosto dos americanos dos pesos e contrapesos.
As coisas parecem antagônicas. Mas não são. É a cabeça do povo, livre na democracia, entregando o governo a um e ao outro lado na mesma eleição. Lá isso funciona e, às vezes, as coisas até dão certo.
Aqui, nem pensar. Sempre que a oposição teve maioria no Congresso houve crise. Deodoro fechou o Congresso e depois renunciou. Jânio tinha minoria e também renunciou. Getúlio matou-se. É que, nas democracias pobres, como nos qualificou Dante Caputo, o regime não mostra todas as suas virtudes como nas ricas, sem as nossas mazelas.
Sou daqueles -e já tenho dito muitas vezes- que acham não devermos julgar a democracia pela realização imperfeita dos seus valores. Não devemos julgá-la por aqueles que a deformam e são apenas caçadores do poder, para utilizá-lo em proveito próprio de partido, setores ou grupos.
A descrença no regime democrático -e é grave saber que 50% dos brasileiros pensam assim- nasce da impossibilidade que temos tido de resolver os problemas. Na América Latina, a concentração de renda é brutal.
Os desníveis sociais são terríveis e, no nível internacional, somos considerados países de violação de direitos humanos, de exclusão de minorias e pasto farto para os especuladores da ciranda financeira internacional, que vêm à cata dos altos juros que praticamos.
Diante desse ambiente de injustiça, de violência e desordem social as falsas esperanças de uma ordem baseada na força criam foros de verdade. Nada mais terrível e indesejável.
É melhor, assim, aplicar a lei de Chico de Brito nesses erros e não na democracia.

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