São Paulo, sábado, 9 de novembro de 1996
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Texto do projeto de lei é inconstitucional

PATRICIA DECIA
DA REPORTAGEM LOCAL

O atual texto do projeto para a "Lei da Música" é inconstitucional ou, no mínimo, de caráter duvidoso de acordo com advogados ouvidos pela Folha.
Especializado em direito constitucional, Celso Bastos, 58, disse que o texto do artigo 3º é "completamente desarrazoado".
O artigo cria imposto de 30% sobre a importação de fonogramas fixados no exterior, ou seja, sobre qualquer gravação, de artista estrangeiro ou brasileiro, que entra no país.
Essa é a principal proposta do projeto preparado pela comissão instituída em 12 de julho pelo ministro da Cultura Francisco Weffort com o objetivo de criar uma política cultural para a música. A proposta ainda deverá ser enviada ao ministro e precisa de aprovação no Congresso para virar lei.
"Vou dar só duas razões de inconstitucionalidade, mas, com certeza, há muitas outras", afirmou Bastos. A primeira, segundo o advogado, é que não se pode criar uma contribuição com um destinação fixa que não seja para o "sustento da seguridade social".
Isso significa que esse tipo de imposto precisaria ser revertido para áreas como a saúde ou educação, mas nunca a um fundo (Fundo Nacional da Música) cujo objetivo é difundir manifestações culturais.
Bastos ressalta que, caso a proposta seja aprovada, o Brasil sofreria sérios ataques de organizações como a OMC (Organização Mundial do Comércio) e o Mercosul.
"A legislação das importações hoje é fruto de uma série de tomada de compromissos do Brasil com esses grupos e o aumento de tributos é nocivo e seria combatido no contexto atual."
O tributarista Ives Gandra, 61, também levantou incongruências no texto. Segundo ele, a Constituição não permite que dois tributos tenham a mesma base de cálculo, o que aconteceria nesse caso.
"Há exceções, como no caso do Imposto de Renda e a Contribuição Social sobre o Lucro, mas isso está previsto na Constituição", afirmou Gandra.
O advogado disse ainda que a lei não se enquadra na categoria de contribuição de intervenção no domínio econômico.
Esse tipo de contribuição é criada quando o governo quer intervir num setor restringindo, por exemplo, a entrada de importações para garantir o desenvolvimento da produção nacional. "Como está redigido, acaba sendo como um novo imposto de importação."
Outro problema é levantado por Luis de Camargo Aranha Neto, 48. Segundo ele, as matrizes que seriam taxadas pelo imposto são cedidas para a prensagem no Brasil, ou seja, a gravadora não paga nada por elas numa fase inicial. "Querem cobrar um imposto de 30% sobre zero. Não há a menor possibilidade", afirmou.
O pagamento da obra é feito por meio de royalties, enviados após as vendas para o exterior. Esses royalties, segundo Aranha, já são taxados duas vezes, no momento da remessa: 15% de Imposto de Renda e mais 0,6% de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).
Para o advogado Álvaro Luís Fleury Malheiros, 41, o texto é no mínimo malfeito do ponto de vista técnico. "Criar um novo imposto não me parece algo tecnicamente muito razoável, além do que isso introduziria uma discriminação à produção estrangeira", disse.

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