São Paulo, sábado, 9 de novembro de 1996
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Segundo turno e democracia

ROBERTO FREIRE

Nos últimos dias, os jornais brasileiros estão indo às bancas com páginas recheadas de declarações de importantes políticos defendendo o fim do segundo turno das eleições municipais.
Nem bem conhecemos todos os prefeitos brasileiros e analistas apressados, já engatilhados por lógicas visando o melhor caminho para controlar colégios eleitorais em seus Estados, condenam uma das conquistas democráticas mais avançadas da Constituinte sem ao menos se dar ao luxo de discutir o tema em profundidade.
Não tenho nenhuma dúvida de que no regime parlamentarista, que defendo -e que foi derrotado na Constituinte e em plebiscito-, o segundo turno em questão seria dispensável. Isso porque, para governar, o chefe do Executivo, fruto de uma maioria parlamentar, necessitaria apenas, para a sua estabilidade, manter-se majoritário na Câmara em torno de programa partidário ou de coligação.
No presidencialismo, dá-se o contrário: para ter legitimidade, o governante, com mandato datado, precisa sair ungido das urnas por larga maioria. Eleger-se com o apoio minoritário da população seria prenúncio de crise crônica ou então de complexas negociações, onde não faltariam práticas dissimuladas ou escancaradas de cooptação -de parlamentares e partidos.
Apressam-se os defensores da alteração constitucional em argumentar que, nestas eleições, o segundo turno fomentou alianças apenas eleitoreiras, fragilizando os partidos.
Tal posição é falaciosa. Miram-se em realidades virtuais nascidas de seus desejos e não nas articulações reais feitas por esse Brasil afora. Talvez essas alianças tenham surpreendido e descontentado muitos líderes dos partidos governamentais, por não estarem reproduzindo nos municípios o que ocorre no plano federal.
A aproximação quase forçada, numa autêntica rebelião das bases, entre partidos e militantes de esquerda com o PSDB e vice-versa, explicitando com clareza a direita nacional como adversária, destroça o que com tanto carinho, e com grande dose de fisiologismo, é feito pelo governo tucano e seus aliados do PPB e do PFL.
Argumentar que o processo de segundo turno nos municípios é oneroso é outra discussão mal colocada. Para os que assim pensam, também seria oneroso manter o Congresso Nacional e as próprias eleições. Dispendiosa é ditadura. Democracia não é bem de mercado. Portanto, não tem custos nem tem preço.
O segundo turno é fundamental para o aprofundamento da democracia no Brasil. E não apenas nas eleições presidenciais. Se no plano federal os pequenos e médios partidos às vezes não conseguem se expressar, tendo em vista as leis eleitorais cerceadoras, uma Justiça caudatária e o poder econômico asfixiante, nos Estados e municípios a realidade é diferente. Neles, os partidos têm melhores condições para expor programas, projetos de governo, enfim, buscar o apoio da opinião pública.
Eliminar o segundo turno é impedir que as novas idéias e formações partidárias emergentes possam alterar a hegemonia política local. E isso só tem um nome: atentado contra a liberdade e contra a democracia.
Por fim, querem aniquilar o segundo turno, uma instituição bastante apropriada ao regime presidencialista, mas se negam a rediscutir a função da medida provisória, concebida para o parlamentarismo e que tantos males tem causado ao país.
A República carece de mais seriedade.

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