São Paulo, domingo, 10 de novembro de 1996
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Paulo Pinheiro

ELIO GASPARI

(47 anos, médico, diretor do Hospital Miguel Couto durante oito anos, eleito vereador no Rio de Janeiro com 22 mil votos, 2 mil dos quais vindos das favelas da Rocinha e do Vidigal.)
O que o professor Adib Jatene fez de errado?
Ele fez tudo certo. Sobretudo na área de prevenção. Os agentes comunitários de saúde que ele espalhou pelo Nordeste derrubaram a mortalidade infantil. Deviam ser copiados em grandes cidades como o Rio de Janeiro. Jatene foi vítima das injunções políticas que influem na movimentação dos recursos para a saúde. Para impedir que novos Jatenes evitem o governo é preciso que o dinheiro da saúde tenha fontes determinadas e que saia de Brasília direto para o municipio. Temos que saber direito quanto há para gastar e fazer com que o dinheiro seja gasto onde ele é realmente necessário, na ponta do sistema.
Jatene disse que a situação da saúde corre o risco de ficar caótica. Caruaru e o berçário do Hospital Antonio Pedro são o quê?
Caruaru, não. Aquilo foi serviço mal feito. No Antonio Pedro a coisa é diferente e é de fato uma advertência. É um bom hospital, tão bom que as pessoas recorrem a ele em quaisquer emergências. Naquele berçário cabem 30 crianças. Se você o superlota, botando 46, está chamando o perigo. Pegue as fichas das mulheres internadas no Antonio Pedro. Menos da metade delas moram em Niteroi, cuja população ele atende. A outra metade são pessoas que não tem onde ser atendidas ou, em muitos casos, mulheres com partos prematuros, que saem de suas cidades para buscar a qualidade dos seus serviços. A mesma coisa acontece no Hospital das Clinicas de São Paulo. O caos tem essa característica: ele acaba provocando o colapso do bom hospital.
Considerando-se que é mais fácil um diretor de um hospital público apanhar na rua do que se eleger fiscal de esquina, o que o êxito lhe ensinou?
Três coisas:
1) Ponha o seu gabinete no térreo, o mais próximo possível da entrada. Aprenda a conviver com a ansiedade dos parentes dos doentes. Fique no gabinete o minimo de tempo ssível.
2) Não deixe a imprensa errar, nem cultive paranóias. Sempre que sair uma notícia sobre o seu hospital vá investigá-la. Se estiver errada, converse com o jornalista. Nunca tive caso de repórter que deixasse de reconhecer seu erro, desde que eu estivesse disposto a reconhecer o meu.
3) Aprenda com a comunidade. A Rocinha me ensinou que é mais fácil colocar um serviço de atendimento na favela, do que obrigar mulheres agoniadas a sair pela noite, procurando transporte para levar ao hospital uma criança que precisava apenas de uma nebulização ou de um curativo.

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