São Paulo, domingo, 10 de novembro de 1996
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Melhores universidades rejeitam provão

FERNANDO ROSSETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

USP, Unicamp e Unesp; UFRJ, UnB e PUC de São Paulo. Praticamente todas as universidades mais concorridas do país em vestibulares são contra o Exame Nacional de Cursos, o provão, realizado hoje pela primeira vez. Seria medo de que cursos considerados bons possam tirar notas ruins?
Todos negam. "Medo não existe. A nossa apreensão é que o instrumento de avaliação possa ser falho e não medir o que se pensa que está medindo", afirma o pró-reitor de Graduação da USP (Universidade de São Paulo), Carlos Alberto Barbosa Dantas, 60.
Outro medo é que, como o provão só avalia os alunos do último ano, a imagem dessas instituições passa a depender exclusivamente desse indicador, que será apresentado na forma de ranking.
"A universidade pública brasileira tem um papel muito importante na área de saúde, no desenvolvimento regional. Como reduzir seu trabalho a uma prova?", diz o presidente da Andifes (que reúne reitores das universidades federais), Odilon do Canto, 51.
Paralisia
Mas o MEC (Ministério da Educação), que introduziu este ano o provão na legislação brasileira, acha que a resistência, se não é por puro medo, provoca um debate que pode simplesmente paralisar as iniciativas de avaliação.
"No Brasil existe uma dificuldade em se falar de avaliação. As pessoas dizem que não têm medo, mas aí não concordam com o formato do exame, com o jeito como está sendo conduzido, com a comissão que formulou as perguntas... É sempre paralisante", declara o coordenador do provão pelo MEC, Jocimar Archangelo, 58.
"Estamos carecas de saber que uma prova não abrange a complexidade do trabalho acadêmico."
Os alunos, por sua vez, vêem outro problema. Estão lá, estudando em uma faculdade há quatro ou cinco anos. Aí aparece um exame que mostra que sua escola não ensina o que deveria. E seu valor despenca no mercado de trabalho.
A UNE (União Nacional dos Estudantes), que estava meio apagada desde o impeachment de Fernando Collor, em 1992, assumiu a liderança contra o provão.
Há semanas, seus dirigentes -a maior parte do PC do B, partido de oposição ao PSDB de Fernando Henrique Cardoso- vem trabalhando em todo o país para convencer os estudantes a entregar a prova em branco.
Universal
Essa polarização provocada pelo provão -que conseguiu pôr do mesmo lado da disputa inimigos históricos, como reitores e entidades estudantis- revela, mais do que uma característica nacional, um problema universal.
"Como você se sentiria se viesse alguém e falasse que, a partir de agora, você vai ser avaliado por pessoas que não conhece e que essa avaliação vai ser usada para melhorar o seu trabalho?", pergunta o secretário-geral da Conferência de Reitores Europeus, Andris Barblan, 53, de Genebra, Suíça.
Barblan -cuja entidade reúne 520 universidades, quatro vezes o número das existentes no Brasil- enfrenta na Europa problemas semelhantes aos que MEC vem encontrando.
"Nosso processo ainda é muito lento. Você tem que convencer as pessoas, as universidades, de que é seu próprio interesse ser avaliado", afirma.
Diversidade
A variedade de métodos de avaliação universitária existentes no mundo é que explica melhor a polêmica atual em torno do tema: cada instituição, cada reitor, cada docente têm opiniões próprias sobre como deveriam ser avaliados.
"É complicado montar uma avaliação", diz o professor de economia da Universidade Federal de Minas Gerais Jacques Schwartzman, 51, diretor do Instituto de Pesquisas Econômicas e Administrativas de Belo Horizonte.
Schwartzman produziu no primeiro semestre deste ano um ranking dos cursos de graduação de Minas Gerais nas áreas de ciências contábeis, ciências econômicas e administração, a partir de um processo de avaliação muito elaborado. "Mesmo no trabalho que fiz, levanto uma série de restrições."
"Mas é só fazendo que se começa a ter resultados e se pode aprimorar a avaliação", defende. "O negócio é esse. Ter várias avaliações e ver qual a credibilidade que elas atingem. Deixa o MEC fazer a dele que a gente faz a nossa."

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