São Paulo, domingo, 10 de novembro de 1996
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"Toma nos dedos!"

MARCELO MANSFIELD
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando desembarcou em São Paulo há mais ou menos dois anos, uma das primeiras damas do moderno teatro gaúcho, Ilana Kaplan, trouxe na bagagem uma mala cheia de personagens hilariantes e uma frasqueira cheia de gírias e de frases de efeito que se tornaram sucesso no meio teatral paulistano. De todas, a que mais gosto é "toma nos dedos".
"Tomar nos dedos" significa levar uma desbundada na cara, ser escancaradamente humilhado publicamente sem direito a réplica, sem desculpa.
A televisão sempre soube usar o "toma nos dedos" com resultados brilhantes. Afinal o efeito residual dos programas duram o tempo de um comercial de margarina. Se você não atirar na cara do espectador um fato que precisa ser sabido, o mesmo se derrete, como a margarina, e daí, quem toma nos dedos, é o autor.
Em "O Cafona", por exemplo, Bráulio Pedroso mostrava o que estava acontecendo exatamente naquele momento, quando o país atravessava o "milagre econômico": Francisco Cuoco subia na escala social tornando-se milionário, quando Paulo Gracindo, de passado quatrocentão, descia. O dinheiro mudava de mãos, e para sempre. Os pobres estava se tornando ricos.
Mas para se tornar o homem de seus sonhos, o novo-rico deveria aprender com o "novo-pobre" qual garfo usar em determinada situação, que vinho pedir para acompanhar tal tipo de peixe e que homem deveria casar com sua filha. O rico, Paulo Gracindo, ensinaria tudo isso e, mais, deixaria de lambuja sua filha, Renata Sorrah, à disposição do cafona, na tentativa de salvar sua dignidade estampada no brasão da família.
No final, a filha é trocada pela fiel secretária, vulgar, mas com coração de ouro interpretada por Marília Pêra. Quanto à filha do herói, Elisângela, recém-saída do subúrbio, casava-se com um príncipe. Os ricos terminavam pobres.
A sociedade que ilustrara a capa da revista "O Cruzeiro" 15 anos antes "tomava nos dedos" ao se ver retratada de forma tão cruel, porém sincera, pelo autor -que três anos antes havia sacudido o país ao mostrar um playboy de araque usar pequenos truques para entrar no chamado high society: Beto Rockefeller.
Depois dele, o termo bicão se tornou parte do vocabulário de uma turma que sabia que os anos dourados estavam chegando ao fim. Nunca mais os banhos de champanhota na pérgula do Copacabana Palace seriam os mesmos. Os novos-ricos estavam chegando.
Mas "Beto Rockefeller" e "O Cafona" foram apenas a puxada de gatilho. Nos anos seguintes, os anos do milagre econômico (que durou o tempo de um comercial de margarina), vimos a exumação dos "Ossos do Barão", a cintilante noitada oferecida por Ziembinski em "O Rebu" (sem dúvida a mais original das novelas), Tarcísio Meira subindo rápido em "Escalada". Em "A Corrida do Ouro", cinco herdeiras passam a novela numa enorme gincana para conseguir o dinheiro.
Para fechar o ciclo, não podemos esquecer de "Dancin' Days", quando a sofrida Julia Matos, interpretada por Sônia Braga, dá a volta por cima e faz uma entrada de arrasar quarteirão na boate que dava nome ao folhetim, usando calças de boxer e meias de lurex, que faziam o figurino aristocrático da elegante Yolanda Pratini de Joana Fomm parecer um modelo amarelado saído de alguma página antiga da revista "Burda".
Se essa cena tivesse sido gravada hoje, Reginaldo Faria, Lídia Brondi, Antônio Fagundes, Mário Lago, Glória Pires e Lourdes Mayer, entre tantos outros do elenco, diriam em coro: "Toma nos dedos, Yolanda Pratini".

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