São Paulo, segunda-feira, 11 de novembro de 1996
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Bartoli convence mas não emociona

ARTHUR NESTROVSKI
ESPECIAL PARA A FOLHA

A platéia adorou o concerto -e quem sou eu para estragar o prazer dos outros? Cecilia Bartoli ao vivo é melhor do que ela mesma em disco; e Cecilia Bartoli em disco é melhor do que qualquer outra, naquilo que faz.
Bem acompanhada pelo pianista Steven Blier, deu um verdadeiro show no Teatro Cultura Artística, sexta-feira. Mas "verdadeiro show" é uma expressão que resume bem o esplendor e a miséria dessa noite.
Acho que estou falando pela platéia, em geral, no que segue: Cecilia Bartoli é inigualável nos "pianíssimos", nas cascatas articuladíssimas de notas, no "stacatto" de um diafragma de Olimpíada, no virtuosismo quase inimaginável dos arabescos vocais, que ela sustenta com a segurança de quem sabe usar o que é seu.
Tem o mérito, ainda, de inventar um repertório para si (árias italianas do século 18, Rossini, agora canções "características" francesas).
Não falseia uma nota, ao longo de 17 canções, algumas de dificuldade arrepiante. Cada segundo de música está justificado, estrategicamente, na sua idéia de interpretação.
A explosão do sorriso, ao final de cada peça e o quase soco no ar ocasional não são apenas menos estratégicos, no contexto, mas expressam bem o prazer de vencer o obstáculo: a acrobacia bem sucedida, ou o sentimento equilibrado no fio intangível de uma linha.
Pop chique
Agora vou falar por mim, e com certeza haverá quem discorde: achei o concerto vazio de música, embora brilhante de efeitos.
Bartoli parece, precisamente, ter um repertório fixo de efeitos, que vão se repetindo ao ponto da exaustão ao longo do programa. Tudo é premeditado demais, nessa cantora cuja marca pessoal de divulgação é a espontaneidade, o calor.
Mesmo a sequência do programa tem a natureza bem planejada do entretenimento, uma espécie de "best of Bartoli", com os melhores momentos de seus discos e a composição semelhante a de um show de música popular (17 canções, mais 4 bis). Há algo, também, de empulhação no repertório -uma música que parece ser mais do que é, um pop chique, ou vulgaridade fina.
Ninguém resiste aos pianíssimos e "legatos" de Cecilia Bartoli cantando a ária da "esposa desprezada" de Vivaldi; ou a corrida de obstáculos de "La Cenerentola". O repertório é o que é -nada de errado com isso- e não quero soar mais negativo do que parece. Foi um concerto espetacular, para seus propósitos. Mas não foi, pelo menos para mim, um concerto memorável.
Faltou a música que não se escuta, a música da música, aquilo que nos faz, afinal, habitar, com felicidade, a superfície.
Dois comentários impertinentes e uma conclusão. 1) As fotografias enganam. 2) Não é da nossa conta, talvez, mas alguém deveria prestar uma assessoria de moda às cantoras líricas. Conclusão: se lançarem ações da Bartoli, Inc. no mercado, você já sabe onde investir o seu dinheiro. Vai dormir tranquilo, sonhando com outras vozes, outro mundo, uma outra música.

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