São Paulo, segunda-feira, 11 de novembro de 1996
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Projeto é equívoco cultural e econômico

LUÍS NASSIF
DO CONSELHO EDITORIAL

Copiada da lei do audiovisual, a proposta de lei de defesa da música brasileira discutida por um conselho indicado pelo Ministério da Cultura é um equívoco cultural e econômico.
É bem intencionada, ao se propor a defender o mais importante bem cultural do país. Mas equivocada ao definir as formas de defesa.
Tenta-se repetir na música os mesmos esquemas paternalistas e corporativistas que nunca conseguiram tornar o cinema atividade minimamente relevante no país.
Avança-se sobre incentivos fiscais, e montam-se comissões de burocratas que irão decidir, a partir do Rio e de Brasília, quais serão as produções a merecer usar dinheiro do contribuinte.
Está tudo errado, nas formas de apoio, no modelo centralista-corporativista, e ao misturar atividade econômica com atividade de promoção cultural.
Não é por aí. No Brasil, a música é atividade formada. Não é uma indústria em formação, como o cinema.
Dispomos dos melhores compositores, cantores e instrumentistas do planeta, da mais diversificada base de produção, da melhor imagem internacional. E, segundo alguns dados extra-oficiais, do quarto mercado fonográfico mundial.
A música é o bem com maior potencial de exportação do país. É o único produto com aceitação internacional, mídia garantida e canais de distribuição formados.
Em qualquer canto do mundo se encontrarão consumidores desse produto. E esses consumidores representam décadas de investimento de sucessivas gerações, das temporadas italianas de Carlos Gomes às incursões francesas de Pixinguinha, às explosões amazônicas de Villa-Lobos, à malemolência colorida de Carmem Miranda, Ary Barroso, Caymmi, até chegar aos clássicos contemporâneos de Tom Jobim e seus descendentes.
Não pode ser tratada, portanto, como indústria nascente. Muito menos pode se sujeitar a um órgão estatal que vai definir qual a produção que pode se habilitar a incentivos fiscais.
Trata-se de uma atividade onde não faltarão recursos financeiros para serem investidos. O desafio de uma política de incentivo à música é ajudar a criar condições econômicas que facilitem a entrada de dinheiro novo (e de empreendedores) na área. Em suma, criar condições estruturais, para que os novos capitais irriguem e renovem o setor.
A partir daí, o mercado se forma por si mesmo. A competição levará a um aprimoramento nas técnicas de produção e gerenciais, que automaticamente ajudarão a revelar novos valores e a favorecer incursões externas com o produto nacional.
Nesse contexto, o papel do Ministério da Cultura se restringirá a proteger exclusivamente as manifestações culturais regionais, que não tenham espaço nesse modelo de mercado.
O projeto que está sendo discutido no âmbito desse conselho, no entanto, se propõe a tudo. Invade áreas de taxação de produtos estrangeiros, sem entender as implicações sobre as relações comerciais do Brasil com o mundo.
Distribui incentivos fiscais a torto e a direito. Incentivo para artista, incentivo para rádio que tocar música brasileira.
Não é assim.
O investimento financeiro não descobriu o mercado de música por razões que estão muito mais ligadas a questões econômicas do que propriamente musicais.
Primeiro, não há abundância de empreendedores musicais. Há escassez de produtores culturais com qualidade global. Pouco se conhece da estrutura econômica do negócio, ou de aspectos específicos da atividade, como distribuição.
Não se alcançam esses resultados com incentivos fiscais e uma lei paternalista e corporativista. Pelo contrário. Esse tipo de incentivo sem contrapartida apenas ajudaria a perpetuar o amadorismo e a criar uma "música oficial" brasileira.
Faria melhor o presidente da República se conferisse tratamento profissional à questão, nomeando grupo interministerial, com participação das áreas econômicas, Itamarati e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, para discutir a questão profissionalmente, como gente grande.

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