São Paulo, segunda-feira, 11 de novembro de 1996
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Pesquisador francês vê cinismo e hipocrisia em relação ao Zaire

Roland Marchal teme 'privatização da violência'

BETINA BERNARDES
DE PARIS

Há um misto de hipocrisia e cinismo da comunidade internacional em relação à crise no Zaire.
Essa é a opinião de Roland Marchal, encarregado de pesquisa do Centro de Estudos Africanos da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, de Paris.
A atual crise no Zaire, envolvendo mais de 1,2 milhão de refugiados, é a convergência de três crises diferentes e interligadas, segundo o pesquisador francês.
A primeira diz respeito às disputas no leste do Zaire entre os grupos que ali estavam antes da chegada da maior parte dos refugiados hutus de Ruanda, em 1994.
Entre os grupos, estavam os tutsis banyamulenges, que saíram de Ruanda há 200 anos, mas que dizem sofrer perseguição dos zairenses. Eles lançaram a ofensiva que causou a crise dos refugiados.
A segunda crise vem com o fluxo dos refugiados hutus, que mudam o equilíbrio demográfico na área, causando reações e alianças entre grupos locais. Milícias se instalaram nos campos de refugiados e os usaram como bases para ataques.
A terceira é uma crise política, menos aparente. "A pergunta é: 'O que vai acontecer no Zaire com a doença do presidente Mobutu Sese Seko?' Todos sabem que ele está condenado à morte."
O pesquisador diz que a conjunção dessas três crises resultou em um drama humanitário "espetacular, com muitas imagens".
Imobilismo
"Há também a hipocrisia de dizer que, não havendo um incidente maior, 'a gente paga, e os refugiados comem'."
Como riscos de uma intervenção, o especialista em conflitos cita problemas ocorridos na Somália que não poderiam se repetir.
"O que fazer se um grupo ruandês tentar pegar a comida dos refugiados? Atirar? Negociar?"
O especialista francês também alertou para a "privatização da violência" na região, com a criação de exércitos mercenários.
"Há rumores de que Bob Denard, conhecido mercenário francês, foi visto na área. Inquieta-me que a 'privatização da violência' funcione num mercado internacional, com americanos, franceses e belgas envolvidos."
Corredor
Ontem, o chefe da aliança rebelde dos tutsis, que está controlando o leste do Zaire, anunciou a criação de um corredor para a ajuda humanitária chegar até Mugunga, o maior campo de refugiados do mundo, com 420 mil pessoas.
Ele pediu que os grupos de ajuda humanitária peçam autorização para poder chegar até o campo sem o perigo de serem atacados.
O líder ainda pediu que uma futura força que garanta o caminho seja "absolutamente imparcial".
Ruanda disse também que autorizava que ajuda humanitária chegasse ao Zaire a partir do país.
Vários líderes mundiais estão discutindo a criação de uma força que garanta a entrega da ajuda, mas nenhuma medida foi tomada.
Em Goma, os combates pela cidade controlada pelos banyamulenges foram retomados. Refugiados hutus estão ajudando o Exército do Zaire a retomar Goma.
Ontem, a Cruz Vermelha conseguiu entregar ajuda humanitária a dois hospitais da cidade.
(BB)

Com agências internacionais

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